Casimiro de Abreu : Carolina – Capítulo V : Perdão

Augusto fugiu espavorido daquela casa onde deixava um cadáver; o cadáver de Fernando, punido pela cólera do Senhor!...

E ele conviveu com esse homem durante tantos anos e chamava-lhe seu amigo!...

E a mulher que ele amara pediu-lhe perdão, confessando o seu erro e o seu arrependimento!...

Ela ainda o amava...talvez! e com esta lembrança ele sentia reviver todo o amor que lhe jurara nos seus dias felizes. Cem vezes quis voltar para trás e levar nos seus braços Carolina desfalecida, que ele reanimaria com o seu hálito abrasador, mas a cabeça andava-lhe à roda, as casas pareciam cair e as pernas tremiam-lhe. Uma febre ardente devorava-lhe o cérebro.

Uma hora depois, dois médicos contemplavam-no estendido sobre a cama.

Erguia meio corpo, apoiava-se com os cotovelos, e espraiando os olhos desvairados, perguntava com uma voz terrível: “Onde está Carolina?”

Depois...seus punhos cerravam-se, seus dentes rangiam e murmurando: Fernando! Fernando! caía de novo sobre o travesseiro. Era o delírio.

À claridade das velas, aquele rosto pálido, que se debatia na cama, parecia o dum espectro agitando-se sobre um túmulo.

À meia noite cessou-lhe a febre e um sono tranqüilo e longo o conservou deitado até às 10 da manhã.

Apenas acordou, contra a ordem expressa dos médicos, vestiu-se e saiu.

Quem o visse na rua diria ser um fantasma. Estava desfigurado como um cadáver; só seus olhos tinham um brilho imenso.

Dirigia-se apressado para a casa onde se desenrolara a seus olhos o drama da véspera: queria ver Carolina.

— Quero falar à menina Carolina, disse ele à dona da casa, apenas entrou.

— O senhor certamente enganou-se com a casa, aqui não há nenhuma Carolina.

— Pois ela não estava aqui ontem?

— Carolina!...não senhor.

— Se eu estava aqui quando ela desmaiou ontem à tarde!

— Ah! é verdade, mas ela chama-se Amélia.

— Mudou de nome! disse consigo o mancebo, tinha vergonha que a conhecessem! Depois dirigindo-se à mulher: Não lhe podia falar agora?

— Ela já cá não está. Saiu ontem mesmo quase à noite, deixando-me uma carta para entregá-la a uma pessoa que a devia vir aqui procurar ontem ou hoje. Talvez seja o senhor. Queira ter a bondade de me dizer o seu nome?

— Augusto ***.

— Justamente. Vou já buscá-la.

— Esperava que eu viesse ontem ou hoje e não quis que eu a visse! murmurou ele apenas a mulher saíra da sala. Compreendo-te, Carolina; tu ainda me amas e receavas que eu te repelisse agora que estás manchada, quando te havia deixado pura. Não, não! não te repilo, porque o meu coração bate da mesma maneira que batia há quatro anos; porque para mim sempre serás a mesma Carolina virgem, inocente, que eu respeitei como irmã; porque terias de mim o perdão voluntário dessas faltas que o mundo te fez cometer. Oh! para que me separei de ti? para que fiz aquela viagem?...

E abafou com o lenço as lágrimas que lhe saltaram dos olhos.

— Aqui está a carta, disse a mulher entrando.

Augusto recebeu-a e desceu precipitadamente as escadas. Queria lê-la em casa, porque aí ninguém viria perturbar-lhe a sua dor.

Meia hora depois, sentado a uma mesa, lia ele a carta de Carolina.

Augusto:

Perdão! perdão! é de joelhos que to imploro. Não me amaldiçoes; por piedade, ouve-me primeiro. Bem sei que te rasguei o coração, porque tu me amavas deveras, mas já tenho expiado de sobra o mal que te fiz. Para que me deixastes tu, para fazer aquela viagem? Antes não fosses. Chorava todas as tardes debaixo do caramanchão, por ti; chorei três meses. Um dia vi Fernando. Um dia... Perdão! perdão! foi fraqueza; manchei o corpo, mas a alma ficou pura. Não amava senão a ti. Desde esse dia a tua imagem perseguiu-me sempre. Tremia diante da minha família, tremia diante de Deus, tremia diante de tudo! Era culpada! Uma noite, enfim, seduzida por aquele homem, que prometera desposar-me, reparando a falta, deixei a casa onde nascera para nunca mais voltar. Passei essa última tarde com minha mãe, que eu abracei e beijei mil vezes. Minha pobre mãe! que nunca mais te hás-de sorrir para mim! Meu pobre pai, que nunca mais me chamarás a tua Carolina!

Oh! Augusto! Augusto! eu tenho sofrido muito.

Depois, meu filho foi-me arrancado dos braços, e quando pedi a Fernando os meus dias felizes, a minha honra, as carícias de minha mãe e os afagos de meu pai... ele respondeu-me com uma gargalhada e abandonou-me.

Para onde havia de ir? Para casa de meus pais? Eles fechariam a porta à filha indigna que lhes manchara o nome. Não tinha coragem bastante para suicidar-me...arrojei-me no abismo!... Mas todas as noites pedia a Deus nas minhas orações, que te pudesse ver ainda uma vez antes de morrer, a ti, o único que tenho amado. Deus ouviu-me, Deus puniu Fernando.

Adeus! parto para longe de ti; nunca mais me verás. Não, nunca mais, porque é impossível que o coração de um homem possa amar a mulher que o traiu. Mas ao menos lembra-te que Cristo perdoou a seus algozes, perdoa-me também. Oh! sim, Augusto, perdão! perdão para

Carolina

Sim, sim, perdôo-te, exclamou o mancebo deixando cair a carta das mãos: perdôo-te, porque sinto renascer todo o amor que eu julgava extinto. Carolina! Carolina! bradou ele, erguendo-se, vem a meus braços, vem, que eu te dou todo o amor que encerra o coração de um homem.

Meu Deus! meu Deus! dai-me a minha Carolina, que eu nunca amei outra mulher no mundo...

Submited by

Saturday, May 23, 2009 - 22:15

Poesia Consagrada :

No votes yet

CasimirodeAbreu

CasimirodeAbreu's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 14 years 30 weeks ago
Joined: 05/23/2009
Posts:
Points: 234

Add comment

Login to post comments

other contents of CasimirodeAbreu

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Juramento 0 535 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Perfumes e amor 0 858 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Segredos 0 488 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Clara 0 532 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Dedicated Casimiro de Abreu : A valsa 0 1.629 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Borboleta 0 427 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Quando tu choras 0 744 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Canção do Exílio 0 615 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Minha Terra 0 446 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Saudades 0 404 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Song Casimiro de Abreu : Canção do Exílio 0 1.574 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Minha Mãe 0 677 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Rosa Murcha 0 840 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Juriti 0 519 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Meus oito anos 0 518 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : No álbum de J. C. M. 0 1.032 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : No Lar 0 457 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Moreninha 0 735 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : Na rede 0 497 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/General Casimiro de Abreu : A voz do rio 0 546 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Novel Casimiro de Abreu : Carolina – Capítulo I : Adeus 0 1.530 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Novel Casimiro de Abreu : Carolina – Capítulo II: Caiu! 0 1.435 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Novel Casimiro de Abreu : Carolina – Capítulo III : A Volta 0 1.238 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Novel Casimiro de Abreu : Carolina – Capítulo IV : Deus 0 1.331 11/19/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia Consagrada/Novel Casimiro de Abreu : Carolina – Capítulo V : Perdão 0 1.344 11/19/2010 - 16:54 Portuguese