ALLEGORIAS I
1
A Anarda
Candida pomba mimosa.
Ave dos niveos Amores,
Cingida por mão das Graças
D'um lindo colar de flôres:
Venus, macia a meus versos,
Grata aos cultos, que lhe dou,
Já desde o ninho amoroso
Para mim te destinou.
A pomba de Anacreonte,
Nuncia dos suspiros seus,
Tinha parte em seus desvélos,
Tu gosas todos os meus.
Ella não foi tão fagueira,
Tão delicada, e tão bella,
Tão dôce á mãe de Cupido,
Tão digna dos mimos d'ella.
Se vive na branda Musa
Do terno, rugoso amante,
Tu tens juvenil Camena,
Que te idolatre, e te cante:
Tens os sons da minha lyra
Sagrados a teu louvor,
Vezes mil nas aureas cordas
Uno teu nome ao de Amor.
Se a que voava a Bathylo
Mereceu posteridade,
A teus encantos compete
Não menos que eternidade.
Se em templo, que os muros de ouro,
Que a base nos céos escora,
Defeso ao monstro implacavel
Que os proprios filhos devora,
Se junto ás aras luzentes
D'alta Memoria superna,
Em galardão de meus cantos
Me cabe memoria eterna;
Áquella enchente de glorias
Ou tu voarás commigo,
Ou hei de, enjeitando o premio,
Morrer de todo comtigo.
Não vale este excesso a dita
De só por ti conhecer
Que inda existia o teu vate
Para amor, para o prazer?
Tu despertaste em minha alma
A dormente sympathia,
Sentimentos, que a desgraça
Quasi amortecido havia:
No horror de escuros desastres
Abafando o coração,
Das carinhosas delicias
Era esquivo á commoção;
Mas apenas a meus olhos
Em molle adejo assomaste,
De mil serenas idéas
Minha phantasia ornaste.
Eis surgir d'entre as ruinas
Vejo o imperio da belleza,
N'alma outra vez me resôa
O grito da natureza.
Tórno a sonhar a ventura,
Tórno a suspirar de amores,
E julgo o céo resumido
Nos teus dons encantadores.
Meus pensamentos se apuram,
Apuram-se os meus desejos
No tenue philtro celeste
De teus espontaneos beijos.
Ás vezes, porém, meus gostos
Saltêa azedo temôr
De que nas garras farpantes
Te arrebate ousado açôr.
Cuido vêr-te injusta preza
Do roubador famulento,
Que exulta no inaccessivel,
Remoto asylo do vento:
Cuido vêr-te lacerada
De fero, voraz instincto,
E quantas feridas sentes
Em dôbro, em tresdôbro sinto...
Mas longe, longe d'esta alma,
Arripiados terrores;
Cessae, que no meu thesouro
Estão velando os Amores:
Elles não querem perdel-o,
Elles sabem-lhe a valia,
Sabem quanto a Natureza
D'este penhor se atavia.
Porém tu, menino Idalio,
Se te enternecem meus ais,
A teus prodigios immensos
Ajunta um milagre mais.
Deixando-me a vida illesa,
Abre-me o peito inflammado,
Abre, oh nume, e desvanece
Este medroso cuidado:
A gentil pomba, que adoro,
Dirije co'a tenra mão;
Em meu peito se resguarde,
Pouse no meu coração.
Submited by
Poesia Consagrada :
- Login to post comments
- 2045 reads
other contents of Bocage
Topic | Title | Replies | Views |
Last Post![]() |
Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia Consagrada/General | EPISODIOS TRADUZIDOS XII | 0 | 1.752 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPISODIOS TRADUZIDOS XIII | 0 | 1.813 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPISODIOS TRADUZIDOS XIV | 0 | 1.953 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPISODIOS TRADUZIDOS XV | 0 | 2.045 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | FASTOS DAS METAMORPHOSES I | 0 | 3.551 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | FASTOS DAS METAMORPHOSES II | 0 | 1.735 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | VERSÕES LYRICAS III | 0 | 1.602 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | VERSÕES LYRICAS IV | 0 | 1.407 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | VERSÕES LYRICAS V | 0 | 1.638 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | VERSÕES LYRICAS VI | 0 | 1.203 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPISODIOS TRADUZIDOS I | 0 | 3.129 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPISODIOS TRADUZIDOS II | 0 | 1.280 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPISODIOS TRADUZIDOS III | 0 | 1.645 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPISODIOS TRADUZIDOS IV | 0 | 1.930 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPISODIOS TRADUZIDOS V | 0 | 1.230 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPISODIOS TRADUZIDOS VI | 0 | 1.753 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPISODIOS TRADUZIDOS VII | 0 | 2.429 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | FRAGMENTOS DRAMATICOS - O R I G I N A E S - I | 0 | 1.963 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | FRAGMENTOS DRAMATICOS - O R I G I N A E S - II | 0 | 1.799 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | FRAGMENTOS DRAMATICOS - O R I G I N A E S - III | 0 | 1.851 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | FRAGMENTOS DRAMATICOS - O R I G I N A E S - IV | 0 | 2.987 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | FRAGMENTOS DRAMATICOS - O R I G I N A E S - V | 0 | 1.833 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | FRAGMENTOS DRAMATICOS - O R I G I N A E S - VI | 0 | 2.326 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | FRAGMENTOS DRAMATICOS - O R I G I N A E S - I | 0 | 1.582 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | FRAGMENTOS DRAMATICOS - O R I G I N A E S – I | 0 | 2.411 | 11/19/2010 - 16:56 | Portuguese |
Add comment