A VIRTUDE LAUREADA - III

DRAMA PARA MUSICA, EM UM SÓ ACTO

SCENA III

O Genio, só

Tereis o galardão, tereis o louro,
Que á virtude compete, immota, illesa
Entre os duros vaivens de iniqua sorte:
Desgraçado o mortal, se o chão não trilha
Por onde a mão de Jove arreiga espinhos,
Que subito depois converte em flôres !. . .
Mas que ufano baixel retalha o Tejo !
Brincam no tópe flammulas cambiantes,
E cambiante bandeira as ondas varre !
Eis vôa, eis se approxima! ... Um quasi monstro,
De aspecto feminil, tigrinas garras,
De traje multicôr, lhe volve o leme !
Que turba enorme á sua voz marêa,
E o ferro curvo, e negro ao fundo arroja !
Desce a vaso menor a horrivel Furia,
Reconheço-lhe o rosto, os fins lhe alcanço. . .
Lá vem, lá toca sobre a arêa e salta.
Inimiga dos céos! 2 És tu, profana !
Sacrilega, fallaz, blasphemadora,
Peste dos corações, orgão do Averno !
Vens tambem macular com teus venenos,
Com halito infernal, e atroz systema
Campos, que meu bafejo elysios torna !

LIBERTINAGEM

Orgão não sou do Averno, o Averno é sonho 3
Para mim, para os meus: não soffro o jugo,
Que sobre corações tão férreo péza.
Phantasticos deveres não me illudem;
O sensivel me attráe, do ideal não curo,
Só de palpaveis bens fecundo a mente;
O bando, que allicío, e que prospero,
Vire em prazeres, em prazeres morre.
Compleição dos Catões, moral de ferro,
Furia, Libertinagem me nomêa;
Mas o caracter meu destróe meu nome.
Delicias ao teu seio, oh Lysia, trago,
Não cruas oppressões, nem agros males,
Que o phantasma Razão produz, machína;
Eu sou a Natureza: ella não manda,
Que o gosto opprimas, que os desejos torças;
1 Apparece ura baixel, d'oude pouco depois desembarca a
Libertinagem com sequito numeroso.
2 Corre para ella.
3 Sentimentos abominosos da Libertinagem, refutados vigorosamente
pelo Genio da Nação ...
As paixões contentar, não é loucura :
Prestar-lhes attenção, vontade, assenso,
E' lei, necessidade, e jus dos entes.
Olha: com sceptro de ouro impéro, oh Lysia ;
Franquêa o pensamento a meu systema,
Despe imagens chimericas, e approva
Que a posse do universo em ti remate.

GENIO

Enganas-te, perversa, os céos a escudam;
De Lysia puro incenso aos numes sóbe,
Arde em virtude, inflamma-se na gloria;
Moral, religião, saudavel jugo,
Que péza aos impios, que aos iniquos péza,
Nunca foi grave a Lysia; heróe supremo,
Que é na terra o que é Jupiter no Olympo,
Aqui, não com violencia, e não com arte,
Mas pelo exemplo morigéra os lusos,
Só menos que as deidades venturoso?.
Não manches estes céos, tartáreo monstro,
Não corrompam tens pés o são terreno,
Onde jaz da Virtude o trilho impresso.
Écco da magestade, a voz te aterre
Do zeloso ministro infatigavel,
Luceno, ao throno, ás leis, aos deuses curvo,
Que, em vinculo fraterno atando os povos,
Os vê curvos ao throno, ás leis, aos deuses.
Negreja, a teu pezar, o horror, que douras,
O inferno, que não crês, de ti fuméga,
E o remorso tenaz te róe por dentro.
Este povo de heróes, de irmães, de justos,
Teu caracter maldiz, teu nome odêa.
Aparta-te d'aqui . . . mas tu repugnas !
Guerreiros da Virtude, e flôr da patria, 1
Que limpaes a Moral de intrusa escória,
Eia, apurae o ardor contra esse monstro:
A vosso invicto exforço a Furia cêda,
Do gremio da Innocencia o Vicio fuja.
1 Sáe tropa armada, que trava peleja com os sequazes da
Libertinagem, e os vae destroçando.

LlBERTINAGEM

Não se alcança de mim victoria facil.

GENIO

Satélites da Gloria ! Avante, avante !
A pérfida fraquêa, a palma é vossa.

LIBERTINAGEM

Colhêste contra mim triumpho inutil:
Lysia perdi, mas senhoreio o mundo.

Submited by

Sunday, October 25, 2009 - 17:47

Poesia Consagrada :

No votes yet

Bocage

Bocage's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 14 years 30 weeks ago
Joined: 10/12/2008
Posts:
Points: 1162

Add comment

Login to post comments

other contents of Bocage

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXXXV 0 1.517 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXXXVI 0 1.231 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXXXVII 0 1.229 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXII 0 1.287 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXIII 0 1.475 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXIV 0 1.695 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXV 0 1.116 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXVI 0 1.686 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXVII 0 1.719 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXVIII 0 1.031 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXIX 0 1.515 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXX 0 2.467 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXXI 0 1.243 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXXII 0 962 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXXIII 0 1.858 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXXIV 0 1.291 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LXXIV 0 1.516 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS XLIX 0 1.344 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS L 0 1.945 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LI 0 1.560 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LII 0 1.453 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LIII 0 1.413 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LIV 0 1.663 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LV 0 1.438 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPIGRAMMAS LVI 0 1.709 11/19/2010 - 16:55 Portuguese