A personalidade violenta de Júlio de Castilhos


Paulo Monteiro (*)

Júlio Prates de Castilhos, nascido no dia 29 de julho de 1860, na fazenda da Reserva, antigo distrito de São Martinho, município de Vila Rica, hoje Júlio de Castilhos, e falecido no dia 24 de outubro de 1903, em sua residência, na capital do Estado, quando era submetido a uma traqueotomia de urgência, para a retirada de um câncer de laringe, é uma das personalidades mais enigmáticas da história rio-grandense. Historiadores e filósofos gastaram, gastam e gastarão páginas infindas discutindo a importância ou a inimportância dos indivíduos na história. Geralmente aqueles que merecem a atenção dos pesquisadores sociais são figuras públicas com as quais se estabeleceu relações antípodas de paixão e ódio.
Júlio de Castilhos é um desses indivíduos diante dos quais é difícil manter-se um mínimo de isenção intelectual. A ele se atribui a maior culpa pela violência que marca as primeiras quatro décadas da República no Rio Grande do Sul. Dele partiu a ordem para as matanças:
Coronel José Soares – Camaquã – Não poupe adversários, castigue nas pessoas e bens, respeitando famílias. Viva a República. Castilhos.
Coronel Madruga - Cacimbinhas – Adversários não se popupa nem se dá quartel. Remeto armas e munições que pede. Castilhos.

Esse documento foi tornado público em 1920 por Wenceslau Escobar no Livro Apontamentos para a História da Revolução Rio-grandense de 1893 (in. p. 174 da edição da Editora Universidade de Brasília, 1983).
Sempre me pergunto: o que levaria um homem a tomar decisões verdadeiramente facinorosas? Nos últimos meses tenho me dedicado a estudar a vida e a obra de Júlio de Castilhos, relendo uns e lendo outros livros sobre esse homem satanizado, pelos herdeiros das velhas tradições liberais do Século XIX, e endeusado pelos continuadores do castilhismo.
É verdade assentada que, via de regra, todo o abusador foi vítima de violência. A maioria dos abusos ocorre na família ou na escola.
Othelo Rosa, que lhe dedicou uma longa biografia, com 327 páginas, intitulada Júlio de Castilhos, I Parte, Perfil biográfico, seguida de uma coletânea literária, com 511 páginas: Júlio de Castilhos, II Parte, Escriptos Politicos (Livraria do Globo, Porto Alegre, 1928) era muito apegado à mãe, Carolina, apego que transferiu à mulher, Honorata. Sempre foi fiel e obediente ao pai, Francisco, estancieiro de modos austeros, que deixou fama de probidade extremada.
Alfabetizado pela mãe, como era costume na velha sociedade semi-feudal rio-grandense, o pai contratou uma professora, Francisca Wellington, para dar continuidade aos estudos dos filhos e outros meninos das redondezas. Júlio era gago. “Gago a ponto de não poder responder às perguntas por ocasião dos exames orais”, depõe seu amigo João Daut Filho. Quando pronunciou as primeiras palavras, na escola, os colegas gritaram, em uníssono: “Gaguinho!” e soltaram sonoras gargalhadas. Bulling?  Assédio moral? A definição técnica do fato pouco importa. Longe da saia da mãe e das barbas protetoras do pai, Júlio chorou, diante do brasileiríssimo esculacho, conta a jornalista Esther Cohen, no livro Júlio de Castilhos (Tchê/RBS, Porto Alegre, s/d).
Quando lemos os textos enfeixados por Othelo Rosa, em seu livro pioneiro, ou os selecionados por Paulo Carneiro, líder positivista de amplitude mundial, reunidos em Idéias Políticas de Júlio de Castilhos (Senado Federal/Fundação Casa de Rui Barbosa, Brasília/Rio de Janeiro, 1982), chegamos a duvidar que tenham sido escritos por um tartamudo. Bom, mas Machado de Assis também era gago.
Estudioso de nossos dias, Ricardo Vélez Rodríguez, em Castilhismo: uma filosofia da República (Senado Federal, Brasília, 2010) lembra as dificuldades para entender o pensamento de Júlio de Castilhos, porque não era um teórico e acrescenta (p. 26) que “as peculiaridades do autoritarismo castilhista não podem ser explicada através de simples referências à filosofia de Augusto Comte. Castilhos, inspirou-se nele, mas deu ao seu conceito de política traços inéditos, frutos da sua personalidade e das condições concretas que viveu o Partido Republicano Histórico, na luta com a antiga elite dirigente sul-rio-grandense”.
Não é à toa que o filósofo venezuelano, há quase quatro décadas no Brasil, põe em primeiro plano a “personalidade” de Júlio de Castilhos e, somente a seguir, as “condições concretas que viveu o Partido Republicano Histórico”.
Tenho, nos últimos tempos, lido e participado de seminários e palestras sobre violência na escola. Essas atividades contribuíram para que me questione sobre a influência que a humilhação sofrida pelo pequeno gaguinho, lá no interior missioneiro, tenha exercido sobre a obra política e o estilo literário do futuro ditador.
 

Submited by

Saturday, June 18, 2011 - 17:21

Prosas :

Average: 5 (1 vote)

PauloMonteiro

PauloMonteiro's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 12 years 34 weeks ago
Joined: 01/19/2009
Posts:
Points: 611

Add comment

Login to post comments

other contents of PauloMonteiro

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Prosas/Others O MAIOR POETA DO BRASIL 0 2.544 11/18/2010 - 23:47 Portuguese
Prosas/Others O Massacre de Porongos e a Capitulação de Ponche Verde 0 1.475 11/18/2010 - 23:47 Portuguese
Prosas/Others O Sentido Histórico do Final d’Os Sertões 0 1.557 11/18/2010 - 23:47 Portuguese
Prosas/Others Um sonho sonhado junto continua e desperta admiração 0 1.544 11/18/2010 - 23:47 Portuguese
Prosas/Others A Capital Nacional da Literatura prepara-se para a 13ª Jornada Nacional de Literatura 0 1.144 11/18/2010 - 23:47 Portuguese
Prosas/Others Academia Passo-Fundense de Letras Promove Dois Concursos Literários 0 1.054 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others A Carta de um Mestre 0 1.352 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others A Maldição do Monge (Lenda Passo-Fundense) 0 2.434 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others O número de mortos na Batalha do Pulador 0 1.937 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others A Localização de Santa Teresa 0 1.686 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others À Procura da História Perdida, Como Diria Proust 0 1.553 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others Um Mestre 0 1.216 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others O Hino da República Rio-Grandense Como Valor Universal 0 2.584 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others Poesia na Feira do Livro 0 1.570 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others A Poesia Lírica de Jane Pimentel 0 1.035 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Ficção Cientifica Prestes Guimarães, um General à Espera de um Biógrafo 0 1.575 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others As Origens das Bombachas 0 1.438 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others Antonio de Mascarenhas Camello Júnior – o homem que articulou a emancipação de Passo Fundo 0 1.411 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others A poesia popular de Xiko Garcia 0 1.907 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others Machado de Assis, de Alfredo Pujol 0 1.023 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others Do Jenipapo ao Arroio Teixeira 0 1.842 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others Quem Destruiu os Sete Povos das Missões? 0 1.935 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others Júlio Salusse e os Mistérios da Fama e da Imortalidade 0 2.133 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others Antônio Donin, Poeta e Homem de Ação 0 1.511 11/18/2010 - 23:45 Portuguese
Prosas/Others Teixeirinha 0 2.205 11/18/2010 - 23:45 Portuguese