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Levantado do Chão

O mundo nunca está contente, se o estará alguma vez, tão certa tem a morte.

Pago um copo a todos, é uma boa e sabida maneira de chegar aos bolsos do coração.

Terra maldita, só por grande tristeza o estar dizendo, que de razões particulares não encontraria uma, ou todas são, e então nenhuma terra escapará à sentença, todas malditas, condenadas e condenadoras, dor de estar nascido.

Cozem-se ervas, vive-se disso, e os olhos ardem, o estômago faz-se tambor, e vêm as longas, dolorosas diarreias, o abandono do corpo que se desfaz de si próprio, fétido, canga insuportável. Apetece morrer, e há quem morra.

É a guerra aquele monstro que primeiro que devore os homens lhes despeja os bolos, um por um, moeda atrás de moeda, para que nada se perca e tudo se transforme (…). E quando está saciada de manjares, quando já regurgita de farta, continua no jeito repetido, de dedos hábeis, tirando sempre do mesmo lado, metendo sempre no mesmo bolso. É um hábito que, enfim, lhe vem da paz.

Isto de relações entre patrão e empregado é negócio de muita subtileza (…). Mete força bruta, ignorância, presunção e hipocrisia, gosto de sofrer, inveja muita, habilidade e arte da intriga, é uma perfeita diplomática para quem quiser aprender.

O feitor é o chicote que mete na ordem a canzoada. É um cão escolhido entre os cães para morder os cães. Convém que seja cão para conhecer as manhas e as defesas dos cães (…). Mas é um criado.

O povo fez-se para viver sujo e esfomeado.

É esse o luxo da época, gloriarem-se os sofredores do seu sofrimento, os escravos da escravidão. É preciso que este bicho da terra seja bicho mesmo, que de manhã some a remela da noite à remela das noites, que o sujo das mãos, da cara, dos sovacos, das virilhas, dos pés, do buraco do corpo, seja o halo glorioso do trabalho no latifúndio, é preciso que o homem esteja abaixo do animal, que esse, para se limpar, lambe-se, é preciso que o homem se degrade para que não se respeite a si próprio, nem aos seus próximos.
    E mais. Gabam-se os trabalhadores das pontadas que apanharam nos trabalhos de arroteia. Cada uma delas é medalha para vanglórias de taberna, entre o casco e o copo, já apanhei tantas ou tantas pontadas a arrotear para Berto e Humberto. Estes é que eram os trabalhadores bons, os que, em tempo de chicote, mostrariam envaidecidos os vergões encarnados, e se sangrarem melhor ainda, gabarolas.

Ah, povo conservado na banha ou no mel da ignorância, que nunca te faltaram ofensores. E trabalha, mata-te a trabalhar, rebenta se for preciso, que assim deixarás boa lembrança no feitor e no patrão, ai de ti se ganhas fama de malandro, nunca mais tens quem te queira. Podes ir pôr-te às portas das tabernas, com os teus companheiros de desfortuna, eles próprios te hão-de desprezar, e o feitor, ou o patrão, se lhe deu para isso, olhará para ti com nojo e tu só ficarás sem trabalho, para aprenderes. Que os outros decoraram a lição, vão matar-se todos os dias no latifúndio, e quando tu chegares a casa, se casa isso é, com que cara vais dizer que não arranjaste trabalho, que os outros sim, mas tu não. Emenda-te, se ainda vais a tempo, jura que já tiveste vinte pontadas, crucifica-te, estende o braço para a sangria, abre as veias e diz, Este é o meu sangue, bebei, esta é a minha carne, comei, esta é a minha vida, tomai-a, com a bênção da igreja, a continência à bandeira, o desfile das tropas, a entrega das credenciais, o diploma da universidade, façam-se em mim as vossas vontades, assim na terra como nos céus.

As pernas tremem-te, estás aguado como mula que muito carregou, e custa-te a respirar, a pontada, meu Deus, a pontada, és um ignorante, o que tu tens é uma distensão, uma ruptura muscular, não sabes as palavras, pobre besta.

As vergonhas da ignorância são as que mais custam confessar.

Cresce a família, mesmo morrendo muitos infantes de suas doenças de caganeira líquida, desfazem-se em merda os pobres anjinhos, e extinguem-se como pavios, braços e pernas mais gravetos que outra coisa, e a barriga inchada, e estão assim, até que, chegada a hora, abrem pela última vez os olhos só para verem ainda a luz do dia, quando não acontece morrerem às escuras, no silêncio do casebre, e quando a mãe acorda dá com o filho morto e lá começam os gritos, sempre os mesmos, que estas mães a quem morrem os filhos não são capazes de inventar nada, estupores.

Cada pingo de suor é uma gota de sangue perdida, e os desgraçados todo o santo dia penando e às vezes de noite, contam-se as horas de trabalho pelos dedos de três mãos, quando não se tem de ir à quarta mão da besta enumerar o que falta, não se lhes, enxuga a roupa no corpo durante toda a quinzena. Para descansar, se tal verbo tem cabimento, deitam-se numa cama de carqueja com palha por cima, e pela noite fora gemem, sujos, pisados.

Há quem espreite pelos postigos para ver quem é a da vergonha, são crueldades de pobre.

Outros, porém, já se levantaram, não no sentido próprio de quem suspirando se arranca ao duvidoso conforto da enxerga, se a há, mas naquele outro e singular sentido que é acordar em pleno meio dia e descobrir que um minuto antes ainda era noite, que o tempo verdadeiro dos homens e o que neles é mudança não se rege por vir o sol ou ir a lua.

São bichos estranhos, os homens, e mais estranhos talvez os rapazes, que são uma outra espécie.

Ponha o povo o sangue e os cruzados, que sua majestade contados cruzados dará dos que o povo antes lhe deu por taxação e fiscal de imposto.

Na guerra das laranjas perdemos Olivença e não tornamos a achá-la, e assim, sem disparar um tiro, uma vergonha, entra Manuel Godoy por aí dentro, sem resistência, e de escárnio nosso e galantaria sua manda um ramo de laranjeiras à amante rainha Maria Luísa, só faltou servirmos de colchão aos dois.

Quem mais ordena não é quem mais pode, quem mais pode não é quem mais parece.

É a polícia política, não imaginas, um tipo vai para lá, e se há um gajo qualquer de quem a gente não gosta, prende-o, leva-o para o governo civil, e se entenderes espetas-lhe um tiro na cabeça, dizes que ele queria resistir, e pronto.

Testículos em linguagem de manual de fisiologia, colhões neste grosseiro falar que mais facilmente se aprende, frágeis bolas balões cheios de imponderável éter que em transe justamente nos elevam, de homens falo, são eles que nos levantam em viagem entre o céu e a terra.

Cego com os olhos abertos, que não há cego pior.

A natureza é pródiga, teta abundante que em cada valado se derrama.

A magnanimidade nunca tem pressa, era o que faltava, a pressa é que é plebeia e sôfrega.

Deus do céu, como podes tu não ver estas coisas, estes homens e mulheres que tendo inventado um deus se esqueceram de lhe dar olhos, ou o fizeram de propósito, porque nenhum deus é digno do seu criador, e portanto não o deverá ver.

Qualquer de nós conhece bastante as fraquezas humanas, e portanto as nossas próprias, para perdoar as alheias.

É bem verdade que quem sabe, não sabe tudo.

(…) era uma fúria de pardalito, um arrepio de galinha, uma investida de borrego, nada que tivesse importância.

(…) ao ver como dinheiro pobre pode ser amor grande.

São os homens feitos de maneira que mesmo quando mentem dizem outra verdade, e se pelo contrário é a verdade que querem lançar da boca para fora, vai sempre com ela uma forma de mentir, mesmo não havendo o propósito.

O diabo não existe, não faz contratos, isso de jurar e prometer é falar vão, o que o trabalho não consegue, nada consegue.

Que mundo este haver quem de descansar faça ofício e quem trabalho não tenha, mesmo pedindo.

Mesmo os certos e convencidos têm  seus momentos de dúvida, suas agonias e desânimos.

www.topeneda.blogspot.pt                                                             José Saramago

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sexta-feira, novembro 16, 2012 - 22:09

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