EPISODIOS TRADUZIDOS XII

Fragmento

De um poema sobre a Arte Graphica

A poesia será como a pintura,
A pintura será como a poesia;
Ambas eguaes, irmãs se representam,
Officios, nomes entre si revezam:
A pintura se diz «muda poesia»,
A poesia se diz «loquaz pintura».
O que ouvidos attráe poetas cantam,
Cabe aos pintores o que enleva os olhos:
O que versos desluz, pinceis desdoura.
As formosas rivaes, em honra aos deuses,
Transpondo céos e céos, entram de Jove
Nos sempiternos paços: lá desfructam
A presença dos numes, e a linguagem:
Attentam n'uma, n'outra, e vêm com ellas,
E influem nos mortaes a etherea flamma,
Que rutíla em seus quadros. Já vagueam
Com émulo fervor pelo universo;
N'elle o que é digno d'ellas vão colhendo,
Revolvem tempos, tempos investigam,
D'onde objectos extráem, quaes lhe relevam,
Que na terra, no mar, no céo mereçam
(Seja por accidente, ou por nobreza)
Ir durando entre os seculos vorazes;
Vasto assumpto ao pintor, vasto ao poeta,
Rico aos dous ! Vão d'ali soar no mande
Com fama vividoura ingentes nomes:
Magnanimos heroes d'ali resurgem
Com gloria, que dos tempos se não teme,
E d'um e d'outro artifice os portentos
Apostam duração co'a eternidade:
Tanto honraes, e podeis, artes divinas !
O coro das Piérides e Apollo
Não tenho que invocar, para que altêe
Em verso magestoso as phrases minhas,
E agricie expressões, e as abrilhante
Em obra, que dogmaticos preceitos
Sómente envolve, e que requer sómente
Succinta locução, perspicua, facil:
O lustre do preceito é a clareza;
Contente de ensinar, o adorno escusa.
Não do artifice as mãos ligar desejo,
Que só rege o costume, e não me é grato,
Que as forças naturaes se embotem n'alma:
Co'as muitas normas arrefece o genio.
Quero que Arte potente a pouco, e pouco,
De idéas, e de cousas fornecida,
Se aggregue á Natureza, ao genio liasse,
E por elle a verdade insinuando.
Lá se naturalise, á força de uso.
Primária, insigne parte é da pintura
O melhor distinguir, que a natureza,
Creou para os pinceis conveniente,
E isto conforme o gosto, o modo antigo.
Barbaridade temeraria, cega,
D'elles sem o favor, desdenha o bello,
Arte, que ignora, denodada insulta;
Porque estimar não póde o que não sabe.
Daqui nasceu dizer-se entre os antigos:
«Ninguem mais atrevido, e mais insano,
Do que pintores maus, e maus poetas.»
Para amar, conhecer é necessario;
Deseja-se o que se ama, o gosto o busca,
Buscando-o com fervor, por fim o alcança.
Não presumas porém que dê o acaso
As graças, que te cumprem. Bem que sejam
Naturaes, verdadeiras, muitas vemos . . .

Submited by

Sunday, November 1, 2009 - 20:11

Poesia Consagrada :

No votes yet

Bocage

Bocage's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 14 years 38 weeks ago
Joined: 10/12/2008
Posts:
Points: 1162

Add comment

Login to post comments

other contents of Bocage

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS V 0 1.031 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS VI 0 1.941 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS VII 0 1.805 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS VIII 0 1.305 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS X 0 1.794 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS XI 0 1.174 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS XII 0 1.326 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS XIII 0 1.060 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS XIV 0 1.660 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS XV 0 1.313 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS LVI 0 1.160 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS LVII 0 1.426 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS LVIII 0 1.089 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS I 0 903 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS II 0 1.277 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLIII 0 1.585 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLIV 0 1.264 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLV 0 1.308 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLVI 0 927 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLVII 0 1.135 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLVIII 0 1.254 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLIX 0 1.287 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS L 0 2.014 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS LI 0 1.613 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS LII 0 1.030 11/19/2010 - 16:55 Portuguese