Invocar-te

As velas ardem, continuamente, até ao fim da fina película de cera. Saí e entrei de autocarros, vi rostos conhecidos que já não encontrava há muito, amigos do peito que fazem todos os possíveis para me ver bem, segura de mim mesma, feliz. Há muitos aspectos que se mantêm inalteráveis segundo a observação que faço: falta de respeito, de civismo e de compreensão mas o sentimento de emoção por se completar um ciclo com sucesso mantem-se: já não pertenço aqui, sou livre. Doi quando não temos tanto afecto como necessitávamos e a carência se instala no fundo da nossa alma mas se acreditarmos que os maus períodos passam, que o mau humor se esbate, que o brilho das certezas não desaparecerá, tudo vai passar e os obstáculos serão ultrapassados com êxito. É linda e incomparável a hora em que encontramos quem nos ajudou e a quem agradecemos uma parte tão importante da nossa vida. Pode-se salvar uma vida ao rodar uma chave na fechadura, sem sequer nos apercebermos. Pode-se descobrir a cada dia um novo suspiro, uma nota diferente; compor a sinfonia perfeita, a melodia da inconsciência. Contigo, meu ponto de referência, farol cintilante, navego nos mares mais profundos, ao luar. A névoa densa dissipa-se, tudo é claro como o sol da manhã. És a minha fonte de inspiração, o meu sonho e o meu desasossego. Despertas as minhas musas quando dormem para criares a inquietude belíssima e irresístivel de tudo o que precede o momento sagrado da criação de arte, em que uma força que desconhecíamos como que se revela dentro de nós. É uma voz, uma entidade que nos faz levitar do chão quando o mundo inteiro nos parece submergir para baixo. Envaideço-me com as tuas vitórias, estudo a tua expressão calma e ponderada em que se mistura a insegurança e indefinição próprias da adolescência com a doçura simples da infância. Continuas a ser o mesmo menino que eu conheci há tantos anos atrás, que chorava dolorosamente quando se magoava numa queda, que se entusiasmava à menor brincadeira, que só queria estar perto quando toda a gente te afastava para longe. Só querias entender quando ninguém te explicava, mostrar a todos que tinhas valor quando ninguém contava com uma boa surpresa. Vejo-te inteiro, saudável e parece que foste feito só para mim, que cresceste só para me dares protecção, para me soprares o oxigénio como os ramos das árvores e transmitires nova vida ao meu coração gasto e cansado. Respiras em mim e nesse segundo nada parece ser mais precioso. Tocar-te ao acaso, abraçar-te, puder apenas falar e ouvir as tuas palavras… Não me importa o que não funciona com os outros, a lista infindável dos males do mundo. As galáxias, cometas e constelações têm uma nova rota fixa que gira à volta de ti, loucamente, sem cessar. O meu corpo espera paciente e sensível à menor alteração do dia. A minha cabeça mastiga ideias e raciocínios que me parecem ser pré-estabelecidos e arcaicos. Os meus lábios contraem-se numa ânsia que parece quase impossível de realizar e condenada à frustração mas que por ser invisível e latente ao coração, é incrivelmente poderosa. Ergo-me, deito-me, viro-me sobre os cobertores, faço chás, ligo o chuveiro, sinto a água bem quente, bendita sobre a minha pele. Tenho controlo dentro da minha concha, não deveria pedir mais nada às ondas que a banham. Mas é mais forte que os meus príncipios, perco a cabeça ao imaginar a tua mão nos meus cabelos, os meus planos convergindo com os teus, o teu fogo aquecendo-me, arrastando-me do abismo em direcção ao Céu. Se te perco logo te encontro. Se te negas, eu volto a insistir. Nunca te esquecendo nem por um segundo, o compasso do encontro prolonga-se infinitamente quando nos olhamos. Então deixo-me ficar quietinha, num amor calado e invoco-te baixinho.

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Miércoles, Junio 3, 2009 - 22:13

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