Adeus, ano velho (Affonso Romano de Sant'Anna)

Vai, ano velho, vai de vez
Vai com tuas dívidas
e dúvidas, vai, dobra a ex-
quina da sorte, e no trinta e um,
à meia-noite esgota o copo
e a culpa do que nem lembro
e me cravou entre janeiro e dezembro.

Vai, leva tudo: destroços,
ossos, fotos dos presidentes,
beijos de atrizes, enchentes,
secas, suspiros, jornais...
Vade Retrum, pra trás!
leva pra escuridão
quem me assaltou O carro,
a casa e o coração,
Não quero te ver mais,
só daqui a anos, Nos anais,
nas fotos do nunca-mais.

Vem, ano novo, vem veloz,
vem em quadrigas, aladas, antigas
ou jatos de luz modernas, vem,
paira, desce, habita em nós,
vem com cavalhadas, folias, reisados,
fitas multicores, rebercas
vem com uva e mel e desperta
em nosso corpo a alegria.
escancara a alma, a poesia,
e, por um instante, estanca
o verso real, perverso
e sacia em nós a fome
- utopia.

Vem na areia da ampulheta, como a
semente que contivesse outra se-
mente que contivesse ou-
tra semente ou pérola na
casca da ostra
como se
se
outra se-
mente pudesse
nascer do corpo e mente
ou do umbigo da gente como o ovo
o Sol a gema do Ano Novo que rompesse
a placenta da noite em viva flor luminescente.

Adeus, tristeza: a vida
é uma caixa chinesa
de onde brota a manhã.
Agora
é recomeçar.
A utopia é urgente.
Entre flores de urânio
é permitido sonhar.

 

Affonso Romano de Sant'Anna, poeta brasileiro, em belíssimo poema sobre a passagem do ano.

Submited by

Monday, December 26, 2011 - 12:17

Poesia :

No votes yet

AjAraujo

AjAraujo's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 7 years 15 weeks ago
Joined: 10/29/2009
Posts:
Points: 15584

Add comment

Login to post comments

other contents of AjAraujo

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Dedicated A charrete-cegonha levava os rebentos para casa 0 3.725 07/08/2012 - 22:46 Portuguese
Poesia/Meditation A dor na cor da vida 0 1.630 07/08/2012 - 22:46 Portuguese
Poesia/Dedicated Os Catadores e o Viajante do Tempo 1 30.875 07/08/2012 - 00:18 Portuguese
Poesia/Joy A busca da beleza d´alma 2 5.549 07/02/2012 - 01:20 Portuguese
Poesia/Dedicated Amigos verdadeiros 2 6.744 07/02/2012 - 01:14 Portuguese
Poesia/Meditation Por que a guerra, se há tanta terra? 5 5.146 07/01/2012 - 17:35 Portuguese
Poesia/Intervention Verbo Vida 3 7.572 07/01/2012 - 14:07 Portuguese
Poesia/Meditation Que venha a esperança 2 9.497 07/01/2012 - 14:04 Portuguese
Poesia/Intervention Neste Mundo..., de "Poemas Ocultistas" (Fernando Pessoa) 0 4.621 07/01/2012 - 13:34 Portuguese
Poesia/Intervention Do Eterno Erro, de "Poemas Ocultistas" (Fernando Pessoa) 0 9.657 07/01/2012 - 13:34 Portuguese
Poesia/Intervention O Segredo da Busca, de "Poemas Ocultistas" (Fernando Pessoa) 0 3.786 07/01/2012 - 13:34 Portuguese
Poesia/Dedicated Canções sem Palavras - III 0 6.378 06/30/2012 - 22:24 Portuguese
Poesia/Intervention Seja Feliz! 0 5.793 06/30/2012 - 22:14 Portuguese
Poesia/Meditation Tempo sem Tempo (Mario Benedetti) 1 4.894 06/25/2012 - 22:04 Portuguese
Poesia/Dedicated Uma Mulher Nua No Escuro 0 7.013 06/25/2012 - 13:19 Portuguese
Poesia/Love Todavia (Mario Benedetti) 0 4.852 06/25/2012 - 13:19 Portuguese
Poesia/Intervention E Você? (Charles Bukowski) 0 5.177 06/24/2012 - 13:40 Portuguese
Poesia/Aphorism Se nega a dizer não (Charles Bukowski) 0 5.995 06/24/2012 - 13:37 Portuguese
Poesia/Aphorism Sua Melhor Arte (Charles Bukowski) 0 3.798 06/24/2012 - 13:33 Portuguese
Poesia/Sadness Não pode ser um sim... 1 5.971 06/22/2012 - 15:16 Portuguese
Poesia/Aphorism Era a Memória Ardente a Inclinar-se (Walter Benjamin) 1 4.579 06/21/2012 - 17:29 Portuguese
Poesia/Friendship A Mão que a Seu Amigo Hesita em Dar-se (Walter Benjamin) 0 5.173 06/21/2012 - 00:45 Portuguese
Poesia/Aphorism Vibra o Passado em Tudo o que Palpita (Walter Benjamin) 0 7.688 06/21/2012 - 00:45 Portuguese
Poesia/Aphorism O Terço 0 3.518 06/20/2012 - 00:26 Portuguese
Poesia/Disillusion De sombras e mentiras 0 0 06/20/2012 - 00:23 Portuguese