A Casa dos Espelhos
Alice passeava
No seu jardim,
Alegre, divertida;
Sentia-se bem, confortada
Protegida.
Todos os dias percorria o mesmo caminho;
Conhecia-o como ninguém.
Vivia numa redoma de vidro.
Intocada e intocável, só conhecia o Bem.
Um dia, no entanto,
Desviou-se da rota habitual;
Correndo atrás de uma linda borboleta
Foi ter a um nunca antes explorado matagal.
Perdida e desorientada
Procurou uma luz, uma saída,
Mas quanto mais a procurava
Mais embrenhada no tenebroso bosque ela ficava.
Então, caiu num buraco fundo,
Escuro, impuro, imundo;
Era exatamente o oposto do seu mundo.
Era o buraco da amargura, do desgosto profundo.
Esse buraco fez-lhe experimentar
Sensações que nunca imaginara sentir.
Caía desamparada mas lutava para voltar
Até a exaustão a fazer desistir.
Chegou então finalmente ao fundo do poço.
Bateu com força no chão daquele fosso.
Atordoada e assustada,
Alice ali estava, só, prostrada.
Afinal havia vida naquele estranho lugar.
Teve então dúvidas se estava a viver ou a sonhar.
Ergueu-se e começou a explorar
Aquele novo mundo que não era nada de encantar.
Encontrava-se numa casa de espelhos
De forma circunferencial
E viu o seu ser refletido.
Subitamente, todos os seus sentimentos negativos
Surgiram em espiral.
Num dos espelhos via-se feia,
Noutro, gorda, uma baleia.
Noutro ainda má, horrível,
Uma fera temível.
Indignada e intrigada com o que via,
Alice indagava-se da sua veracidade
E onde tinha ido parar a sua felicidade.
Nada lhe fazia sentido e sentia-se vazia.
Tentou escapar daquele tormento,
Era tudo demasiado violento.
Não havia saída, naquele círculo fechado;
O seu selo de proteção havia sido quebrado.
«Quem sou? O que sou? Que faço aqui?!
Como sou? Onde vou? Aqui,
Dentro de mim existe alguém,
Mas fora de mim eu não sei!
Tais dúvidas preencheram o seu pensamento
E sombras negras assumiram a silhueta
Dos seus anjos do seu mundo de inocência.
Estariam eles ali para a salvar? Iria ela voltar
Ao seu paraíso cor-de-rosa e violeta?
Que bom que vieram! Levem-me já daqui!
As sombras transpuseram o espelho,
Aproximaram-se dela, cercaram-na,
Pegaram-lhe na mão e levaram-na
Para o outro lado do espelho.
Sorridente, Alice julgou estar a salvo
Mas enganou-se!
Com aparência de anjo mas voz de demónio
Uma das sombras lhe perguntou:
«Vamos brincar, Alice?» Ela gelou.
Estava num tabuleiro de xadrez
E não era uma rainha, mas sim um peão.
«Afinal, quem são vocês
E o que são?!»
Toda aquela irmandade maligna
Soltou uma enorme e horrenda gargalhada.
«De rainha posso não ser digna
Mas não hei-de fazer parte desta palhaçada.»
Deu um salto e voltou
A entrar na casa dos espelhos.
Respirou fundo, cerrou os olhos
E gritou:
«Maestro do meu destino eu sou,
Só pela minha batuta me deixarei guiar.
Que uma clave de sol me venha iluminar
E me mostre como e o que realmente sou!»
De repente, um forte brilho encheu a casa
E a Alice feia, gorda, baleia, fera feroz
A pouco e pouco foram desaparecendo.
Quando abriu os olhos, por toda a casa só havia uma Alice,
A mesma de sempre. A Alice bela, encantadora e sonhadora.
«Esta que agora vês
É a que nunca deixaste de ser
E este brilho que te inunda
É o teu. Tua alma irradia luz,
Tem uma riqueza e grandeza profunda.»
Disse a Lagarta Azul enrolada no seu casulo.
«Oh, não digas disparates! Sou tão pequenina!»
«Serás mesmo? Olha para baixo!»
«Oh! Onde está a casa de espelhos?! O que aconteceu?!»
«Tu cresceste, Alice.
És muito superior
A todos os sentimentos mesquinhos.
Pequeninos são eles, coitadinhos!»
De facto, Alice estava demasiado grande
Para viver naquela redoma de vidro,
Então quebrou-a. Já não precisava dela
E a lagarta ofereceu-lhe uma batuta.
Ela contemplou-a, pegou nela
E ao seu próprio ritmo partiu para a luta.
Pronta para enfrentar um exército inteiro
De demónios que trocam vidas por dinheiro,
Sentimentos por sentidos,
Uns desalmados vendidos.
Nunca mais deixou de crescer.
Lutou e venceu sempre
Pois estava provida das melhores
E mais poderosas armas de sempre.
O silêncio, o sorriso, auto confiança e o Amor.
José Vidas, 2013
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