Cama sartriana
Quero estar bem alto,
Bem próximo do sol
Num lugar incomum jogado nas mãos atormentadas por fúria de liberdade,
Longe das regras,
Quero ser livre.
Não quero que me matem como mataram Ícaro,
Não!
Não por isso.
Meus dentes rijos ringem noutras épocas
Do que agora sou.
Se dias explodem tempos
Tempos destroem presentes
Para fazerem-se de passado,
Então tenho eu a mesma consonância
Lado a lado, murro a murro
Na convulsiva compulsiva abusiva luta da liberdade que me condena.
(Melíflua de súplicas deitadas à auto-ilusão negadora da própria
Sede que alimenta a prisão liberta)
Nódoas escorridas pelo estreito sulco da vida nunca tida,
Nunca vivida,
Mas sempre acariciada,
Como gestos ao vento,
O beijo na boca da água,
O galho deitado ao cheiro.
A maior dúvida da morte
É saber se ela é realmente a morte.
Hecatombe da ideia imiscuída em inverossímil hermenêutica.
O maior amor da Vida é a existência carnal efêmera.
Tornar as coisas dos fantasmas da mente visíveis é fácil,
O intelecto sobrevoa ares,
Cujas nuvens são imagens de pinturas andantes
Como dantes,
Deuses levantavam ferro dos mais profundos subterfúgios
Do lamaçal da alma,
Pela evasiva dor interna espancada por vazio.
Furei mais uma vez o coração mirrado
Da fantástica história.
O que estamos tentando arquitetar?
Não cansamos de ver nossos reflexos em nossos reflexos?
Temos medo da sombra nossa voltada para nós mesmos?
Vemos nossos mesmos olhos na estratosfera da Terra,
Só que, como crianças insanas trancamos-nos dentro do armário
A fim de tornarmo-nos invisíveis.
O Carinho esmaga com fúria o Gelo,
Derrete-o em afago tal composição química
De duas moléculas de falta de atenção
E uma de existencialismo
Abaixo de cem graus cegos.
Quando derretido escorre por entre dedos de alegria
E flui inapto sabendo que apagou de forma passageira
A ferida sentimentalista humana,
Isso somos nós mesmos, humanos.
Avisarei quando da minha alma
Extrair o doce som dos cantos da liberdade...
Puxarei as vendas que me cegam os olhos,
Alargarei estreitas sendas que me prendem o corpo,
Puxarei a vida de meus olhos,
Arrancarei os olhos das minhas visões,
As visões de meus olhos,
A boca de minha voz,
A voz de minha boca,
O nariz de meu cheiro,
O cheiro de meu nariz,
O corpo de meus ossos,
Os ossos de meu corpo,
Os ouvidos de meu som,
O som de meus ouvidos,
A cabeça de meus cabelos,
Os cabelos de minha cabeça.
Gritarei sim,
Com repleta força de quem pode.
Chorarei sim,
Com repleta tristeza de quem ama.
Minhas belas asas são delicados
Coloridos e quentes mantos
Que esquentam a morte no meu corpo
Que já não sou mais corpo.
Não veio me buscar docemente a morte,
Ela já a sou.
Esquenta-me do frio que já não é mais vida.
Enlaço-me nesta cama sartriana,
Neste leito nato que nos roubam de repente.
Tentei beijar na boca a água,
Mas não senti sua macia língua,
Em seus olhos estavam meus olhos.
De mãos dadas caminhei com o ar
Impossibilitado de senti-lo material.
Condenei-me sim,
Não vivo somente existo.
Que beleza singular ser o que sou,
Definhando-me por dentro,
Renascendo e morrendo
A cada hora,
Tudo para ser eu,
Eu próprio.
Tal beleza cai na desgraça com o tempo,
Tal desejo me leva a estar coagido
Por pedras andantes e pensantes.
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Re: Cama sartriana
"Que beleza singular ser o que sou,
Definhando-me por dentro,
Renascendo e morrendo
A cada hora,
Tudo para ser eu,
Eu próprio.
Tal beleza cai na desgraça com o tempo,
Tal desejo me leva a estar coagido
Por pedras andantes e pensantes."
Gostei...
Re: Cama sartriana
O eu se multiplica em nós. Assim somos, desde o primeiro risco na primeira caverna, com o carvão da primeira fogueira. Bem feito, diriam os que por nós receiam. Bem feito, completaria a natureza, se a ela fosse interessante a pugna: nossa solidão se divide em eus, mesmo que a morte seja a hecatombe do irrespondível. Bela desenvolvimento. Abraços, Pedro.