De manhã submerso

Acordas…
Esfregas os olhos num exercício já paleolítico.
O “ph” do teu estômago já há muito que deixou o neutro, inflamado pela propaganda alcoólica de um fígado mal disposto e visceral.
Saúdas o dia com um “fodasse” entre dentes, cariados de “ventil”.
Pões os pés fora da cama e coças as partes, como se fosse um ritual ao deus matinal da micose.
Acordas…
A tua boca é um antro de apostas perdidas, onde as ginjas e os palavrões disputam a náusea com o hálito e o silêncio.
Chegaste á altura em que as terças de manhã, podiam ser segundas dia 2, ou sábados de aleluia…tanto faz!
Acendes um cigarro e tens agora doze anos numa erecção involuntária.
A “TSF”, congemina engarrafamentos na pimenteira, no preciso momento em que te refogam gases no trânsito intestinal.
Vais cagar!!!
No armário da casa de banho habita um eremita que fuma “ventil”.
Um gajo mal-encarado, com manias de te imitar a barba de três dias.
Dás por ti a lavar a cara, quase a refrescar contígua a ternura dos quarenta.
Engendras a tua vida com imediatismos imaturos…
A sofrer de véspera e a viver por antecipação.
As únicas coisas que te distinguem dos teus sobrinhos, variam mais ou menos, entre a declaração do “I.R.S” e o teu amor pelo “Gurosan”.
O trabalho é como uma condenação perpétua, com saídas precárias ás 5 da tarde.
Olhas para as gajas com balões animados de “comia-te já aqui”, na fila do super-mercado.
As compras têm sempre um preço certo, que te fazem rombos colossais no orçamento das minis.
Entretanto, a gaja que “comias”, é agora uma “tia” asquerosa com sopros de funcionária pública, afrontada pela menopausa e trocada por uma brasileira, pelo careca que a desposou e fez dela mãe galinha.
Continuas a acordar…
Tens um “cd” na aparelhagem, que toca o “rainy nigth in soho, já para aí á uns seis meses.
O eremita da casa de banho, está agora reflectido no quarto e é parecidíssimo com o Shane mcgowan, enquanto os Pogues tocam para ti.
Vais à janela em tronco nu…sol, ar e vertigem…
Safa!!!
Já não tens idade para estas merdas…
Noites e dias colados, serões anfetamínicos, chocos com tinta e com tinto…
Futebóis, carnavais, caracóis, correntes de ar, madrugadas e “Johnny walker”.
Mas acordas.
Acordas putrefacto, com a bílis na boca a cheirar a peúga usada….mas vais vivendo!
O trabalhinho, a Maria, os sobrinhos na faculdade, os cães a ladrarem, as contas no correio, o Benfica a perder, o 25 de Abril, o 1º de Maio, o Natal, a Páscoa e as férias…tudo coladinho, para não se partir, para não te partires, para nunca partires.
Acordas…
T-shirt, Jeans e ténis, um odor a “Jovan Musk” e um beijo que vale tudo.
Sais do espelho…
Sais de casa e milhares de espelhos acordados, com perfumes tão diferentes, agarram a cidade viva.
Autocarros e buzinas, jardins a cem à hora, coxos, bichas e grávidas, semáforos e passadeiras, respiram-te em dias novos…
Acordar…no mundo, frenético, mutante e novo!
Já passa das 10…sorris para a multidão…
O teu fígado acalmou.

Submited by

Friday, March 12, 2010 - 03:12

Poesia :

No votes yet

Lapis-Lazuli

Lapis-Lazuli's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 11 years 3 weeks ago
Joined: 01/12/2010
Posts:
Points: 1178

Comments

Librisscriptaest's picture

Re: De manhã submerso

LOLOLOLLLLLLLLLLl
Só você para as 8.45h, quase a recuperar de um ataque de asma, me fazer dar umas gargalhadas q me obrigaram a mais uma bombada de aerossol!!!
LOLOLOLLLLLLLLLLLLll

nunomarques's picture

Re: De manhã submerso

Muito muito bom, como sempre. Acho que nunca comentei os teus textos, não sei bem porquê, mas leio-os a todos, são fantásticos.

Amanheceres submersos...familiar.

Abraço
Nuno

Henrique's picture

Re: De manhã submerso

A aurora submersa de vida!!!

:-)

Anonymous's picture

Re: De manhã submerso

Muitooo bom. O acordar e a constatação do real mais
linda e cómica que já alguma vez li.
Muito tu este texto, ou seja carregado de genio.
Dá-lhe agora. Deixa é de fumar ventil que é uma merda.

Add comment

Login to post comments

other contents of Lapis-Lazuli

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Aphorism Nos olhos de Irina 3 780 05/06/2010 - 21:27 Portuguese
Poesia/Dedicated Fabrica das gabardines 5 7.475 05/05/2010 - 22:54 Portuguese
Poesia/Love Querer 7 1.135 05/03/2010 - 00:24 Portuguese
Poesia/Aphorism Magnitude Absoluta 4 1.210 05/01/2010 - 21:02 Portuguese
Poesia/Dedicated Zé, pá... 3 943 05/01/2010 - 12:30 Portuguese
Poesia/Aphorism Relembranças do mundo ausente 3 1.023 04/30/2010 - 12:06 Portuguese
Poesia/Thoughts Indestino 1 997 04/29/2010 - 01:00 Portuguese
Poesia/Love "Do Amor e Outros Demónios" 6 869 04/28/2010 - 03:39 Portuguese
Poesia/Aphorism Incorporal 3 967 04/24/2010 - 00:36 Portuguese
Poesia/Aphorism Desnascimento 1 1.295 04/24/2010 - 00:10 Portuguese
Poesia/Aphorism Homem do nada 4 1.309 04/23/2010 - 00:53 Portuguese
Poesia/Thoughts Tudo passa ás vezes 2 825 04/22/2010 - 23:19 Portuguese
Poesia/Thoughts Viagem breve de ti 3 1.284 04/19/2010 - 09:44 Portuguese
Poesia/Meditation Poemas de Amor 7 1.049 04/17/2010 - 12:20 Portuguese
Poesia/Aphorism Mãos 2 1.065 04/16/2010 - 01:25 Portuguese
Poesia/Meditation Balão Mágico 3 1.004 04/13/2010 - 20:46 Portuguese
Poesia/Thoughts Always the sun 6 1.162 04/12/2010 - 17:20 Portuguese
Poesia/Thoughts Querer não é poder 1 1.032 04/12/2010 - 10:00 Portuguese
Poesia/Aphorism Barriga cheia de nós 2 1.116 04/11/2010 - 21:52 Portuguese
Poesia/Aphorism Ladaínha 1 1.071 04/11/2010 - 17:29 Portuguese
Poesia/Meditation Aspirina 3 1.094 04/10/2010 - 18:25 Portuguese
Poesia/Dedicated Lisboa toda 4 913 04/09/2010 - 17:56 Portuguese
Poesia/Love À espera de nós 3 2.156 04/06/2010 - 18:07 Portuguese
Poesia/Aphorism O Evangelho segundo o desejo 3 708 04/06/2010 - 17:35 Portuguese
Poesia/Thoughts Na cara dos homens 4 913 04/06/2010 - 17:06 Portuguese