Prelúdio ao tripúdio

Examinem minha mente e digam-me quem sou.

Fanático por festejos solitários

Adorador dos desejos minoritários

Eu gosto do sabor amargo, gosto do doce do medo
Saboreio com nojo o bom prato - detesto requinte
Que interrompa minha crueldade!

Quem sois vós postos a cortesia desnecessária?

Ataca-me a tua elegância!
Rejeito o prélio desta vida
Agarro a luta da despedida (que me é comum)
Desfaço. O dano da predileção é o fracasso.

Oponho ao rastro
Sou crime perfeito do antepasto
Posto à mesa, sou o martírio da tua presa
"Venha!" - meus olhos pedem e vêm
Desdém do apogeu é o tempo a passar.

Depois de morto, a terra encobre quem eu fui
Deixa ao teu lugar quem nunca parte
Queixa-te com a pessoa solitária do teu espelho
E diga em mímicas que o teu Eu na verdade sou eu

"É eu!" - grita da banheira a lâmina que te corta
"Sou meu!" - a resposta do lenço a enxugar a face lavada.
"Ateu!" - aponta o vaso sanitário à tua privada
"Ardeu!" - interjeita o papel perfumado de tua vida esvaida

Porém, há um porém
Que dois em um na verdade formam a existência

Peça por minha clemência, e eu vos darei a recompensa

Eu tenho a pólvora antes dos chineses
E a dinamite hoje premia o feitor das pazes

Eu tenho a súmula da morte do Rei
E reino antes com Ele, morando na vida de agora

Não, eu não tenho a aurora, nem as águas
Eu não tenho o ocaso, nem os céus
Meus únicos pertences sequer pertencem a mim

Então, quem eu penso que sou?
Eu sou esse, aquele... Eu sou ele
Aquela moça mais bela, a que se esconde por feiúra
Eu choro com a perda dos filhos que não tenho
Morro nas chacinas, vivo nas maternidades
Esse músculo a matar-me no meu peito tem um coração

O concerto chega no ápice, faz a volta, viram as páginas da partitura...
O prelúdio é a sinfonia completa
O tripúdio, por sua vez, igual Beethoven, a carência enganosa do poeta.