Ferro quente

O corpo está exposto ao ferro quente
Fritando couro
E a pele resiste tentando diminuir o fogo
Incandescente
Que guia o calor até a catedral da sensação.

Da infância à velhice
Do suplício à angústia

Ferro quente em brasas - santo avesso da punição
Arquétipo de dor num sorriso estéril.

Vibra lira malvada de cordas harmoniosas
Extraindo sofrimento
Alucinando gritos
Explodindo delírios
Lira de ferro quente em brasas rubras e radiantes
Contaminada por hábitos previsíveis da oca mansão sabença.

(Vibra, vibra, vibra arremesse fure o peito da felicidade
Que felicidade bebe depressão facilmente)

Mesmo que haja tempo como remédio
Mesmo que haja força para regenerar ferida
Ferida fica, cicatriz fica, memória fica, lesão fica...

Quando terminado o sacrifício outro ferro quente
Quente ferro latejante em brasas
Brasas latejantes
Pousa por sobre a antiga ferida
Ondulante vermelhidão do sol em sua tarde de ferro e temperatura sensitiva.

Grilhões inexistentes em metais e elos
Em lágrimas e lembranças
Em querer e não querer
Prisões existentes destes mesmos metais e elos
Só não o tocamos, mas sentimo-lo doloroso como costela fincada no pulmão.
E assim resistimos até acostumarmos com a dor que sempre se transforma em dor
Na dor que somos, na gemida constrangida sede de viver mais e mais,
Na camuflagem que nossos desejos encontram para fingir a aparência.

Submited by

Tuesday, April 6, 2010 - 00:44

Poesia :

No votes yet

Alcantra

Alcantra's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 10 years 22 weeks ago
Joined: 04/14/2009
Posts:
Points: 1563

Comments

Henrique's picture

Re: Ferro quente

Poema forte, as aparências são uma forma do nada!!!

:-)

analyra's picture

Re: Ferro quente

Dor que vibra na reverberação, auto-imposta, escolhida, dor de vida, recurrente ferida que vira arte, sade e Sartre dançando até o raiar do dia.
Assim é a vida para quem cultiva ferida.
Gostei muito de ler.
Grande abraço.

Alcantra's picture

Re: Ferro quente

Sempre bem vinda, cara analyra.

Alcantra

ÔNIX's picture

Re: Ferro quente

(Vibra, vibra, vibra arremesse fure o peito da felicidade
Que felicidade bebe depressão facilmente)

Mesmo que haja tempo como remédio
Mesmo que haja força para regenerar ferida
Ferida fica, cicatriz fica, memória fica, lesão fica...

OLá Alcantra

Sempre que por aqui passo, entro num mundo novo, que apesar da velhice, se transforma, preenchendo espaços, amenizando o tempo que falta para lançar ao vento as marcas deixadas por uma vida inteira.

De facto, a vida é mesmo assim da forma como a descreves. Gosto de te ler e de sentir que por detrás das palavras está alguém muito grande que faz a vida ser e parecer gigante a par da grandeza dos tempos

UM beijo grande

Matilde D'Ônix

SuzeteBrainer's picture

Re: Ferro quente

Olá Alcantra,
Gostei muitoo do teu poema!!
Ele é realmente um ferro quente queimando estigmas e fazendo brotar sensações transfiguradas entre a dor e a sede de viver...
Abraço
Suzete Brainer.

Add comment

Login to post comments

other contents of Alcantra

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Ministério da Poesia/General Duas paredes 0 1.585 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Sede dos corpos 0 1.702 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General O lixo da boca 0 1.500 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Virgem metal 0 3.282 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Carne de pedra 0 1.728 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Fim avarandado 0 1.793 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Dentro do espelho 0 1.562 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Um destroçado sorriso 0 2.209 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Anestésico da alma 0 2.250 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Fita laranja 0 1.934 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Caro insano tonto monstro 0 1.509 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Assaz lágrima ao soluço 0 1.419 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Sítio da memória 0 1.358 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Aeronave de Tróia 0 1.692 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Barro frio 0 1.697 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Lutolento 0 3.338 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Não 0 1.271 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Da vida não se fala... 0 1.207 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Jesuficado 0 2.041 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General O carisma do louco 0 1.728 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General O sonho é a visão do cego 0 2.422 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Manhã infeliz 0 2.020 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General O veneno da flor 0 1.227 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Olhos 0 1.650 11/19/2010 - 19:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Silêncio esdrúxulo 0 1.573 11/19/2010 - 19:08 Portuguese