Sem mãos

Esgueirou-se por um buraco de tédio como um coelho se esgueira na toca. E ali ficou, em buraco escuro, quase impune.
Salivava mesmo após a refeição, a própria carne em ferida.
Um quarto do tempo chegava-lhe, metade disso até.
Gritou para dentro e implodiu em insana satisfação

Chamava-se Mariana, foi esquartejada num quarto escuro. Encontraram-na por todo o lado.
Tinha um destino mas ninguém sabia disso, nem sequer a cigana que lho tinha dito na palma de uma linha de mão que lhe acabava no ventre.
Seu pecado mortal a boca.

Via passar os transeuntes mas era cego. Tinha um acordeão que se recusava a tocar. Um macaco de corda que governava o negócio.
Naquele dia, Ângelo saiu atrasado do prédio. Deu conta disso o cego que era cego mas não era cego.
Cumprimentou-o sem retorno de moeda na lata, no descuido atrasado do outro.

A polícia cercou o medo. Houve uma espécie de pausa. Ninguém se mexia e nem isso lhes tinha sido pedido.
Só um baque no silêncio, preenchido por um macaco de corda a tocar na rua, e um cego de vigília.
Lacraram-no à porta do crime sem lhe pedirem autorização.

No dia seguinte da investigação, todos eram suspeitos, menos o cego que era cego mas não era cego, e que foi o único que viu.
Um homem a discutir com o silêncio surdo, uma ameaça e um quase barulho de faca.
Viu-o pelo barulho que vinha da frincha na porta e inundava o átrio das noites frias dos sentidos.

Ângelo tem as suas impressões por todo o lado. Deixou o seu esperma nos lençóis e nas notas.
Chegou tarde ao trabalho no dia em que saiu da casa de Mariana e não viu sequer o cego, mas o resto do dia foi normal. Passou-o numa secretária suja, disfarçado de funcionário público, embrulhando o tédio em pequenas caixas de veludo que envia a si próprio.

Sua mãe, apesar de o ter abandonado à nascença, encontrada pela polícia, confessou a sua surpresa pela suspeita que a Ângelo era imputada.
Filho seu nunca faria tal monstruosidade.
O chulo que por acaso era seu marido anuiu da cozinha acenando a cabeça, palitando os dentes com uma navalha que sacou detrás da orelha.

Ângelo foi condenado, mas não era culpado.

Submited by

Thursday, February 5, 2009 - 13:51

Prosas :

No votes yet

admin

admin's picture
Offline
Title: Administrador
Last seen: 1 year 7 weeks ago
Joined: 09/06/2010
Posts:
Points: 44

Add comment

Login to post comments

other contents of admin

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Friendship PORTUGAL 6 36.390 06/11/2019 - 09:35 Portuguese
Poesia/Gothic Não me olhes 7 19.923 11/28/2012 - 00:50 Portuguese
Poesia/General Não fui eu 5 10.381 03/24/2012 - 14:25 Portuguese
Pintura/Landscape PORTO 4 18.813 11/23/2011 - 12:36 Portuguese
Poesia/General Quem sabe acender uma fogueira sabe amar uma mulher 4 18.016 02/18/2011 - 12:27 Portuguese
Videos/Profile 1153 0 11.441 11/24/2010 - 23:10 Portuguese
Videos/Profile 794 0 10.177 11/24/2010 - 23:03 Portuguese
Videos/Profile 793 0 12.180 11/24/2010 - 23:03 Portuguese
Videos/Profile 791 0 11.061 11/24/2010 - 23:03 Portuguese
Videos/Profile 740 0 14.520 11/24/2010 - 23:02 Portuguese
Videos/Profile 697 0 11.946 11/24/2010 - 23:02 Portuguese
Videos/Profile 732 0 10.589 11/24/2010 - 23:01 Portuguese
Videos/Profile 587 0 10.379 11/24/2010 - 23:00 Portuguese
Videos/Profile 585 0 12.469 11/24/2010 - 23:00 Portuguese
Videos/Profile 580 0 9.303 11/24/2010 - 23:00 Portuguese
Videos/Profile 553 0 10.506 11/24/2010 - 23:00 Portuguese
Videos/Profile 552 0 9.231 11/24/2010 - 23:00 Portuguese
Videos/Profile 551 0 11.326 11/24/2010 - 23:00 Portuguese
Videos/Profile 550 0 10.631 11/24/2010 - 23:00 Portuguese
Videos/Profile 549 0 11.725 11/24/2010 - 23:00 Portuguese
Videos/Profile 548 0 14.019 11/24/2010 - 23:00 Portuguese
Videos/Profile 547 0 10.824 11/24/2010 - 22:59 Portuguese
Videos/Profile 495 0 9.401 11/24/2010 - 22:58 Portuguese
Videos/Profile 494 0 11.267 11/24/2010 - 22:58 Portuguese
Videos/Profile 493 0 12.004 11/24/2010 - 22:58 Portuguese