À sombra do loendro

Caminha lado a lado do homem de sorriso aberto.
Aos poucos vai ficando para trás, a cadela exige atenção, o caminho é pedregoso, sinuoso, íngreme.
O mundo rural em toda a sua beleza numa força da natureza.

O rio cada vez com menos caudal, as macieiras com frutos caídos, oliveiras semi-abandonadas...
Sementeiras recentes em nuvens de pó. Vegetação viçosa, ainda verde, não ardida.

Os odores acompanham os passos. São perto das seis da tarde e o suor anuncia-se na testa, ensombrada pelo chapéu de palha. De fita azul.

Pernas firmes , morenas, macias , apesar das silvas que atravessam. Calções e t'shirt.

Na mão um pau que já foi ramo de árvore. Como apoio. Como apontador da direcção. Embora siga o homem.
E a cadela que pára até que ela se aproxime. E salta e brinca. Cachorra.

O homem conversa, ri, tenta recuperá-la dum mutismo inapropriado e irreconhecível.
Tenta recuperá-la, na força das palavras, no interesse dos assuntos, no humor e boa disposição que a caracteriza(va).
O homem tenta tudo: um beijo mais fogoso, um abraço terno, uma implicância infantil.
Ela sorri só com os lábios. Não quer que o homem entristeça pelo esforço inútil.
Ela não é a mesma. Mudou.

O caminho agora é a descer. Continua ágil apesar da idade. E do peso.
O que carrega no corpo e na alma.
Descalça-se, enquanto a cadela insiste em ir buscar o pau atirado e chapinha no rio. O homem solta risadas altas e cristalinas, como a água que corre, mesmo que pouca.
Ela senta-se num muro de pedra.

O homem chama-a. Ao mesmo tempo um chilreio, uma brisa suave, um fustigar de ramos e folhas. O sol por entre a folhagem, direito ao olhar infinito.

Reclamam-na.
Finge que não ouve.
Distancia-se, eleva-se. Sonha.

Ausenta-se para um tempo em que o amor é sentir o coração saltar do peito, num galope selvagem. E onde ela deixa que a paixão tome conta da razão e...

...Soergue o corpo.

E deixa alma à sombra do loendro, já sem flor, que só ela sabe existir. Ali.

Compõe o sorriso esperado e regressa à cidade, onde esconde os segredos para que não saibam que está sem alma.

Submited by

Thursday, October 22, 2009 - 03:06

Prosas :

No votes yet

AnaMar

AnaMar's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 13 years 11 weeks ago
Joined: 09/15/2009
Posts:
Points: 780

Add comment

Login to post comments

other contents of AnaMar

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Prosas/Erotic Desejo 1 1.726 10/22/2009 - 23:55 Portuguese
Poesia/Love La(r)go 2 690 10/22/2009 - 16:08 Portuguese
Poesia/Love Carta de amor (de despedida) 5 902 10/20/2009 - 20:15 Portuguese
Poesia/Sadness Choro 2 866 10/20/2009 - 15:59 Portuguese
Poesia/Love O beijo prometido 3 757 10/20/2009 - 15:57 Portuguese
Poesia/Passion Palavras ao vento 4 704 10/12/2009 - 14:21 Portuguese
Poesia/Passion Fúria de viver 2 808 10/08/2009 - 17:08 Portuguese
Poesia/Meditation Página em branco 3 557 10/08/2009 - 17:07 Portuguese
Poesia/Love Cisne selvagem 1 1.000 10/07/2009 - 18:34 Portuguese
Poesia/Dedicated Lágrima doce 2 608 10/02/2009 - 13:10 Portuguese
Poesia/Sadness Nostalgia 4 941 10/02/2009 - 13:06 Portuguese
Poesia/Love Melodia 3 677 10/01/2009 - 03:57 Portuguese
Poesia/Love Grito mudo 5 581 10/01/2009 - 03:55 Portuguese
Poesia/Love Encosta-me a ti... 3 791 10/01/2009 - 03:53 Portuguese
Prosas/Contos Recordar o passado em Praga 3 939 10/01/2009 - 00:34 Portuguese
Poesia/Passion Fruto proibido 3 777 09/29/2009 - 18:31 Portuguese
Poesia/Love Cemitério de elefantes 2 923 09/29/2009 - 15:53 Portuguese
Poesia/General Encantamento 1 1.026 09/29/2009 - 15:52 Portuguese
Poesia/Love Sete 3 814 09/29/2009 - 15:42 Portuguese
Poesia/Passion A Concha 4 928 09/25/2009 - 22:02 Portuguese
Prosas/Romance Hora de almoço 2 1.270 09/24/2009 - 22:31 Portuguese
Poesia/General Sétima arte 5 1.042 09/24/2009 - 09:56 Portuguese
Poesia/Passion Mãos nuas 5 755 09/20/2009 - 22:15 Portuguese
Poesia/Passion E 4 860 09/20/2009 - 15:25 Portuguese
Poesia/Passion Toca-me 7 874 09/20/2009 - 09:53 Portuguese