Construção (Chico Buarque)

Construção
 

Composição: Chico Buarque
 

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado

Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague
 

Submited by

Saturday, January 1, 2011 - 04:14

Videos :

No votes yet

AjAraujo

AjAraujo's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 7 years 14 weeks ago
Joined: 10/29/2009
Posts:
Points: 15584

Add comment

Login to post comments

other contents of AjAraujo

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Dedicated Elegia ao Outono 1 3.535 03/21/2012 - 00:16 Portuguese
Poesia/Dedicated Da Terra brotam os Grãos... Sementes de vida 0 4.769 03/19/2012 - 22:51 Portuguese
Poesia/Intervention A mística da poesia 0 3.316 03/19/2012 - 22:48 Portuguese
Videos/Music Both Sides Now (Joni Mitchell) 0 9.368 03/19/2012 - 22:22 English
Videos/Music We're All Alone (Johnny Mathis & Petula Clark) 0 8.191 03/19/2012 - 22:07 English
Videos/Music Angel of the Morning (The Pretenders) 0 21.333 03/19/2012 - 21:45 English
Videos/Private I´ll stand by you, live (Chrissie Hynde, from music of The Pretenders) 0 30.693 03/19/2012 - 21:45 English
Videos/Music I'll stand by you - The Pretenders (with lyrics) 0 11.932 03/19/2012 - 21:45 English
Videos/Music Downtown (Petula Clark) 0 9.098 03/19/2012 - 21:45 English
Poesia/Intervention Passado, Presente e Futuro (José Saramago) 0 4.984 03/11/2012 - 21:29 Portuguese
Poesia/Intervention Não me peçam razões (José Saramago) 0 5.390 03/11/2012 - 21:25 Portuguese
Poesia/Thoughts A Regra Fundamental da Vida (José Saramago) 0 4.672 03/11/2012 - 21:20 Portuguese
Poesia/Intervention Questão de Palavras (José Saramago) 0 4.290 03/03/2012 - 22:28 Portuguese
Poesia/Aphorism Premonição (José Saramago) 0 3.370 03/03/2012 - 22:23 Portuguese
Poesia/Fantasy Água azul (José Saramago) 0 3.081 03/03/2012 - 22:19 Portuguese
Poesia/Dedicated Santanésia: Terra dos Sonhos - resta uma saudade! 0 4.777 02/26/2012 - 16:45 Portuguese
Poesia/Aphorism Ruptura: o dia do basta aos modismos 0 2.570 02/26/2012 - 16:30 Portuguese
Poesia/Aphorism O tempo (José Luis Appleyard) 0 4.199 02/24/2012 - 11:00 Portuguese
Poesia/Intervention Insônia (Rafael Diaz Icaza) 0 3.112 02/24/2012 - 10:55 Portuguese
Poesia/Dedicated Alfonsina e o mar (Félix Luna) 0 6.000 02/24/2012 - 10:46 Portuguese
Poesia/Dedicated Roça de Milho 0 3.697 02/23/2012 - 16:43 Portuguese
Poesia/Intervention A hora de ir-se 0 5.151 02/23/2012 - 16:13 Portuguese
Poesia/Dedicated Os Glaciares da Patagônia: salvemos! 0 6.046 02/23/2012 - 16:11 Portuguese
Poesia/Intervention Caminheiro (Ossip Mandelstam) 0 5.342 02/22/2012 - 13:02 Portuguese
Poesia/Intervention Chuva Oblíqua (Fernando Pessoa) 0 4.213 02/22/2012 - 12:59 Portuguese