A LONGA VIAGEM

Um Cabral entristecido observa o horizonte.
Fura-buchos surpresos interrompem o vôo
para observar a nau repleta de infantes.

Os marujos, parvos de escorbuto,
sem a certeza endurecida do Capitão,
sonham com as moças do Velho Mundo.

Pero Vaz de Caminha, n'outra nave,
acaricia a pena que fará história
sem qualquer paixão além da verdade.

O Padre Frei Henrique, humildemente,
na solidão do convés em chamas,
imagina como trazer Deus à nova gente.

Pedr'Álvares de Cabral, sem sonhar,
sabedor da responsabilidade que encerra,
entende os sinais das gaivotas e do mar.

Sorri, o solitário, já degustando a conquista,
deixando a proa bem antes que o atalaia
rasgue o ar com o grito de Terra à Vista!

A morte, que visitara a alma da marinhagem
entenebrecida, abala-se par'outros sítios
espantada por repentina alegria selvagem.

Sancho de Tovar, tem barba cerrada
que cofia repetida e lentamente
enquanto a El Rey puxa a esquadra.

São treze as naus, mil e quinhentos os homens,
muitas as armas, grande a fé e pouca
a caridade cristã que o ouro ofusca e consome.

Comanda a Anunciada, Nuno Leitão.
Ela tem em seu bojo os Franciscanos Gaspar
Francisco, o músico Masseu e Frei Simão.

Onde a espada se levanta, Deus se apresenta.
Para o futuro Bispo de Ceuta, marujos e guerreiros
a fé sem canhões não se sustenta.

Açoitada pelos ventos, aguardava a capitânea,
notícias de navios menores
em expedição pela vasta faixa litorânea.

Nicolau Coelho, mau aluno das lições de Colombo,
observa o inconcebível pela Europa:
homens e mulheres em pelo, alegres, sem assombro

Quando os singelos encontram o obstinado Capitão
deparam-se com esplendoroso Comandante
que traz ao pescoço mui reluzente cordão

que a luz das tochas alumia.
O inocente vê a burilada peça e mostra a terra.
É ali, na Capitânea, que a dor principia.

Sem saber que já era o Dominado
e que aquele que o presenteava era o seu Senhor
o antípoda atiça a cobiça da Santa Sé e do Reinado.

Para que partira do Tejo essa esquadra
a não ser para ir além das fronteiras,
angariar ouro e conquistar almas?

Acreditava ser Deus o que via ali?
O aborígene, sem o saber,
estava frente a frente com Abaçai.

Agora é acabada a aventura, percebe Pedr'Álvares
quanto tem à sua frente aquela cabeça encocorada
Uma tristeza singra sua alma; ânsia outros mares.

Viver tudo de novo.
Recomeçar a luta solitária contra todos
com o denodo do primeiro dia.

O que alimenta o Senhor das almas
de todos esses homens não é fé ou riqueza
e sim uma pureza que com nada se abala.

Enquanto, para o índio que se espanta
inicia-se a história da dor e submissão
para Don Pedro é finda a demanda.

Quem se recolhe ao camarote e suspira
é um homem cansado defumdo acjma
que a marinhagem não reconheceria.
 

Submited by

Sunday, February 20, 2011 - 15:36

Poesia :

No votes yet

jgmoreira

jgmoreira's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 14 years 18 weeks ago
Joined: 02/11/2011
Posts:
Points: 283

Comments

MarneDulinski's picture

A LONGA VIAGEM

Lindo texto e uma triste história!

MarneDulinski

Add comment

Login to post comments

other contents of jgmoreira

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Poetrix AMOR DE TODAS AS VIDAS I 0 805 07/23/2011 - 23:03 Portuguese
Poesia/Poetrix AMOR DE TODAS AS VIDAS I 0 994 07/23/2011 - 23:03 Portuguese
Poesia/General VOO NOTURNO 3 970 03/26/2011 - 12:58 Portuguese
Poesia/General TEOPSIA 1 1.221 03/26/2011 - 03:02 Portuguese
Poesia/General VIVÊNCIAS 0 853 03/26/2011 - 01:02 Portuguese
Poesia/General VISTA PARA O TEJO 0 933 03/26/2011 - 01:01 Portuguese
Poesia/General VENTOSO 0 1.115 03/26/2011 - 01:00 Portuguese
Poesia/General TORNADO 0 1.127 03/26/2011 - 00:59 Portuguese
Poesia/General ABASTECIMENTO 1 1.127 03/02/2011 - 21:31 Portuguese
Poesia/General A QUEDA 1 902 03/01/2011 - 06:16 Portuguese
Poesia/General APARÊNCIAS 1 1.101 03/01/2011 - 05:53 Portuguese
Poesia/General BANQUETE 0 975 02/27/2011 - 22:59 Portuguese
Poesia/General A DOR CONFESSADA 0 1.036 02/27/2011 - 22:52 Portuguese
Poesia/General ANGELLUS 1 1.056 02/27/2011 - 15:57 Portuguese
Poesia/General AMOR E PAIXÃO 1 1.160 02/27/2011 - 12:26 Portuguese
Poesia/General ANGÚSTIA 1 1.239 02/27/2011 - 12:21 Portuguese
Poesia/General AMARRAS 0 1.122 02/27/2011 - 00:16 Portuguese
Poesia/General A LONGA VIAGEM 1 913 02/20/2011 - 19:42 Portuguese
Poesia/General NASCIMENTO 0 1.002 02/20/2011 - 16:08 Portuguese
Poesia/General SEMENTE 0 887 02/20/2011 - 16:01 Portuguese
Poesia/General BATEIA 0 1.076 02/20/2011 - 15:51 Portuguese
Poesia/General AURORA 0 1.132 02/20/2011 - 15:46 Portuguese
Poesia/General TORMENTA 0 1.150 02/20/2011 - 15:38 Portuguese
Poesia/General SOUTAMÉRICA 0 1.056 02/20/2011 - 15:37 Portuguese
Poesia/General DUPLOS 1 1.076 02/18/2011 - 00:47 Portuguese