ULTRAMAR

TRILOGIA POÉTICA


Filhos de Fingoé

Olhar negro em noite cerrada
Na pupila da madrugada
O estio de estrelas
Em corpo nu e abusado
Debruçado sobre o muro-medo
De um rio de sangue
Vermelho-frio

Retratos…Retalhos
De um corpo em estilhaços
frágil e esguio
Vestido de um verde vazio
Num camuflado casaco
De criança que acordada
Não dorme
Na pousada do degredo
Sem esperança
No desespero-despertar
Do hibernar da fome

O soldado na solidão da selva
A criança na treva, sem tecto e só
Sem saber muito bem porquê
Afundam na mesma
“Arca de Noé”
Nos flancos opostos
Dois gastos rostos
Do mesmo lado
FILHOS DE FINGOÉ


TETE…sem tecto

E depois de Fingoé
Tete
Crianças arrancadas
Do abraço, das tetas, do colo
Da mãe

Filhos de Fingoé
Fugindo no mato
No meio do nada
E sem saber porquê
Brincam à cabra cega
Às escondidas e à apanhada

E a objectiva
Do meu pai sempre atenta
Na febre
de uma guerra sedenta

Tete…Tete…Tete
Sem tecto, sem teta sem leite
Sem leito

Crianças que choram
Na hora do medo
E imploram
No dilúvio das lágrimas
Um Mundo Mais Perfeito

 

Ordem para Matar

Selvagem soldado
Missão de irmão
Cumprida
Nos opostos da mesma trincheira
E na ideia, a razão ferida
de quem a conhece
E a coragem
Aquela imagem
de guerra de quem não esquece
a terra
Porquê?
Matar sem explicação

Irmão … Irmão
Objectivo…Missão
“Ordem para Matar”
Um pranto de sangue
E um preto e um branco
No mesmo canto

E a preto e branco
… a negativo…um negativo
Que a objectiva do meu pai
Captou o que não sonhou
No preciso momento
De um tímido sorriso
Colhido no tormento
Naquela terra, longe do paraíso
Na guerra
Que semeou sofrimento

De Ultramar
Restam retratos
Cartas abertas
Mas caladas
Dispersas num baú
De memórias… e mágoas
De que o meu pai
Não se despede
Mas das quais não quer falar

E eu peço:
Pai . Conta-me tu
Frente ao futuro-mudo
Um passado que ficou
Por contar, num túnel escuro
E eu, peço ao meu pai
Pai. Conta-me tudo
Fala-me do que ficou por falar
Fala-me da Guerra do Ultramar

Magda Graça

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Sunday, May 15, 2011 - 02:24

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Magda Graça

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Joaquim Sustelo's picture

Teu poema Ultramar

Há pessoas que ficam conhecidas por um só poema: caso da Balada da Neve, de Augusto Gil; do If de Rudyard Kipling ou do Cântico Negro de José Régio, que nos trazem automaticamente à memória o nome dos seus autores.

Este teu Ultramar é fantástico. Serás sempre conhecida por ele, para mim o melhor entre todos os muito bons que te conheço. E como o sinto, pois fui ferido em combate no Ultramar...

Tenho o imenso prazer de o ter, gravado magistralmente  por ti, com uma música de fundo extraordinária.

Joaquim Sustelo

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