Narciso cego (Thiago de Mello)

Tudo o que de mim se perde

acrescenta-se ao que sou.

Contudo, me desconheço.

Pelas minhas cercanias

passeio - não me freqüento.

 

Por sobre fonte erma e esquiva

flutua-me íntegra, a face.

Mas nunca me vejo: e sigo

com face mal disfarçada.

Oh que amargo é o não poder

rosto a rosto contemplar

aquilo que ignoto sou;

distinguir até que ponto

sou eu mesmo que me levo

ou se um nume irrevelável

que (para ser) vem morar

comigo, dentro de mim,

mas me abandona se rolo

pelos declives do mundo.

 

Desfaço-me do que sonho:

faço-me sonho de alguém

oculto. Talvez um Deus

sonhe comigo, cobice

o que eu guardo e nunca usei.

 

Cego assim, não me decifro.

E o imaginar-me sonhado

não me completa: a ganância

de ser-me inteiro prossegue.

E pairo - pânico mudo -

entre o sonho e o sonhador.

 

Thiago de Mello, poeta brasileiro, In: Poemas preferidos, Ed. Saraiva.

Submited by

Friday, May 20, 2011 - 11:30

Poesia :

No votes yet

AjAraujo

AjAraujo's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 7 years 10 weeks ago
Joined: 10/29/2009
Posts:
Points: 15584

Add comment

Login to post comments

other contents of AjAraujo

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Dedicated Auto de Natal 2 5.099 12/16/2009 - 03:43 Portuguese
Poesia/Meditation Natal: A paz do Menino Deus! 2 6.934 12/13/2009 - 12:32 Portuguese
Poesia/Aphorism Uma crônica de Natal 3 5.342 11/26/2009 - 04:00 Portuguese
Poesia/Dedicated Natal: uma prece 1 4.204 11/24/2009 - 12:28 Portuguese
Poesia/Dedicated Arcas de Natal 3 7.156 11/20/2009 - 04:02 Portuguese
Poesia/Meditation Queria apenas falar de um Natal... 3 7.995 11/15/2009 - 21:54 Portuguese