CONCURSOS:
Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia? Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.
Ecrã
Sou uma pilha de vidros quebrados e espalhados por todos os locais em que vagueei. Em cada um deles está um reflexo que me pertence. Sei de cor o ponto em que descansa cada um dos fragmentos e tenho esta estranha obsessão de lhes passar por cima e dispersá-los ainda mais.
Às vezes, a chuva corre-me na face e solidifica com um qualquer sopro frio, já depois de ter escorrido pelo meu corpo, fixando-se mesmo debaixo dos meus pés. Permaneço aí, num desespero congelado de querer (sem poder) fugir. Outras vezes, uma fortuita borboleta faz incidir em mim o seu calor através de raios de fogo oblíquos e eu posso-me mover enfim. No entanto, de livre iniciativa, viciado na efémera febre da borboleta e facilmente persuadido pela nostalgia que adoça a chuva passada, decido-me pela estadia. O frio volta e o calor sucede-o, o escultor retorna e o calafrio vem de novo. Outra vez, outra vez e outra vez…
Aí eu percebo que sou a arte da não locomoção. Todo o vidro que estilhaço está em mim sob a forma de cicatrizes. Tenho-me pisado há estações sem conta e o meu reflexo é um gémeo omnipresente, por muito que distorcido e vago de mais para me ser captável. Vivo tempos sem bússola, guia-me a procura de uma. O passado, um meio que se torna fim, quando nele busco um presente com futuro.
Como um aspirante a cosmonauta, a maturidade autoproclamada com que observo o recinto em que me habito é um quase nada num todo que ignoro e imagino inocente e ingénuo. Tudo o que sei é o solo que piso no momento. Sem a tímida leveza de consciência de correr em círculos, quando tudo o que gira é a minha cabeça e os meus pés estão bem enterrados no velho planeta pessoal do costume.
Duas forças: temporal e espacial. Escapam-me ao controlo pelo intervalo entre os dedos de uma mão que até está fechada e logo surge um pânico adjacente. O tempo acelera-me, o espaço trava-me, o tempo engole-me como água, o espaço mastiga-me como pastilha elástica.
Cruzamento e encontro? Ambos me aniquilam em arritmias existenciais e fico um vaivém hesitante perante um par de dimensões em batida dessincronizada. Jogam-me a um claustrofóbico gato e rato mesclado num quem é quem. Desorientação óbvia… Pista única: os dois tropeçam em vidros negros ou rosas. É esse o invariável clímax das sucessivas histórias narradas.
Deitado na mesma cama de sempre, todas as noites fecho os olhos: pelo pára-brisas de um carro, avisto um enorme retrovisor do tamanho de uma vida e um amontoado de recordações nascidas num diminuto lugar, o lugar habitual. Esse vidro em particular não existe. É este ego cristalino imune ao que não é a visão do ontem no horizonte, cego à ínfima periferia do túnel solitário em que arquitectou a destruição... Os verdadeiros vidros, esses, juntos, são apenas a soma das partes de um espelho a preto e branco da idade de quem o criou. São as melodias compostas e as letras escritas que há muito quero para trás das costas. Posso viver com elas, só não quero viver delas.
(08-05-2011)
Submited by
Prosas :
- Se logue para poder enviar comentários
- 1006 leituras
other contents of Fran Silveira
Tópico | Título | Respostas | Views | Last Post | Língua | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Pensamentos | Como Voltar Um Lugar A Mim? | 0 | 1.014 | 12/28/2018 - 20:00 | Português | |
Poesia/Meditação | Horror Ao Vazio | 0 | 1.056 | 05/08/2018 - 04:18 | Português | |
Poesia/Comédia | Super-Pouco (Dêem-me Um Pouco De Atenção, Por Favor, Se Faz Favor) | 0 | 1.356 | 03/14/2017 - 22:07 | Português | |
Poesia/Paixão | Adoração | 0 | 1.205 | 02/25/2017 - 11:48 | Português | |
Poesia/Pensamentos | (Turquesa '98) | 0 | 899 | 12/29/2016 - 06:09 | Português | |
Poesia/Fantasia | Avelãs & Libélulas | 1 | 807 | 12/08/2016 - 12:53 | Português | |
Poesia/Amor | Ganchos | 0 | 875 | 10/26/2015 - 02:13 | Português | |
Poesia/Fantasia | (En)Canto Do Cisne Laranja | 0 | 1.164 | 11/23/2013 - 01:57 | Português | |
Poesia/Paixão | 14 | 0 | 1.149 | 11/11/2013 - 00:12 | Português | |
Poesia/Paixão | Quimono Circunflexo | 0 | 1.078 | 11/01/2013 - 02:28 | Português | |
Prosas/Pensamentos | Espiral | 0 | 1.085 | 08/16/2013 - 00:44 | Português | |
Prosas/Pensamentos | Ecrã | 0 | 1.006 | 08/15/2013 - 19:42 | Português | |
Poesia/Fantasia | Alba Atroz / Panda Crónico | 0 | 1.057 | 07/31/2013 - 22:50 | Português | |
Prosas/Pensamentos | Transcorrer | 0 | 1.078 | 02/10/2013 - 23:31 | Português | |
Prosas/Outros | Manifesto Depurista | 0 | 867 | 02/09/2013 - 16:29 | Português | |
Poesia/Pensamentos | Memento Mori | 0 | 980 | 11/29/2012 - 03:25 | Português | |
Poesia/Pensamentos | Rosa Em Azul | 0 | 926 | 10/28/2012 - 19:22 | Português | |
Poesia/Pensamentos | Lanterna De Papel | 3 | 1.012 | 10/15/2012 - 21:41 | Português | |
Poesia/Pensamentos | Anos De Chocolate | 1 | 947 | 10/06/2012 - 15:17 | Português | |
Poesia/Pensamentos | Palavra Puxa Silêncio | 0 | 803 | 10/06/2012 - 14:13 | Português | |
Poesia/Fantasia | Última Noite Na Ponte Dos Sonhos | 0 | 935 | 10/04/2012 - 13:57 | Português | |
Poesia/Paixão | Reacção À Química | 0 | 898 | 10/04/2012 - 13:54 | Português | |
Poesia/Desilusão | Enfado-me Deste Fado / Epopeia Do Fracasso | 0 | 1.119 | 10/04/2012 - 13:44 | Português | |
Poesia/Tristeza | Catalisa Dor | 0 | 897 | 10/01/2012 - 00:52 | Português | |
Poesia/Pensamentos | 1993-2008; 2011-? | 0 | 1.194 | 10/01/2012 - 00:50 | Português |
Add comment