Releitura de Clarice Lispector

Acabo de ver um fóssil vivo. Estou aterrorizada.
Uma barata que vive há mais de 300 milhões de anos. Não muda. Não morre. Se alimenta do que é morto e permanece. Se reproduz e continua, continua...Não muda.
Estremeci diante dela. E ela correu se esconder. Observava com seus olhos e antenas sensitivas. O sangue frio e o vazio... repugnava desconfiada...Insconcientemente a idéia de rastejar, presa eterna nessa condição de imutabilidade...

Acabo de ver um cadáver vivo. Estou assustada.
Um ser humano que surge por volta de 2 milhões de anos atrás. Tão jovem e tão mortal. Tem uma fome secular. Come tudo que vive, ou que é passível de ser engolido. Nada escapa. Só os grãos de areia escorrem. Nasce, cresce, se reproduz e morre. Evolui constantemente. Muda a cada virada de vento.
Senti a marcha me esmagando. E ela tentou me afugentar. Encarava com seus olhos e boca grandes. Um som pulsando nessa grande estrutura de nervos e desejos. O sangue corre como seu curto tempo. Explode em metamorfose, se contradiz, pisco e morre a frágil criatura...