Schopenhauer e o Idealismo Alemão - O Suicidio - Parte VIII

Vimos que a demência senil e a insanidade atuam como esconderijos contra os sofrimentos causados pela alternância de luta, frustração e tédio de que se constitui a vida. Porém, existem circunstâncias em que nem esses refúgios são suficientes e só resta ao indivíduo buscar o esconderijo derradeiro: a morte autoinfringida.
O suicídio é execrado em praticamente todo o Ocidente, tanto pelo aspecto religioso, quanto pelo ético. Nalgumas religiões*, como no Judaísmo, por exemplo, não se hesita em tratar o falecido como um desertor execrável, um pária, cujo espírito será destinado às amarguras do Inferno (Sheol) e o corpo físico aos mais remotos cantos dos cemitérios.
No aspecto ético, a pecha de covarde é automaticamente colocada no suicida e o seu gesto extremo, além da perplexidade e da dor natural aos casos fatais, causa uma série adicional de sofrimentos às suas relações familiares, profissionais, comerciais e de amizade pela culpa que pode ocasionar, seja ela indevida ou não.
Mas, segundo Schopenhauer, essa rejeição, na verdade, é apenas um reflexo invertido da “Vontade de Viver”, expressa pelas suas formas individuais, isto é, os homens e suas instituições. Afinal, o Instinto de Sobrevivência é tão imperativo que lhes soa como uma terrível blasfêmia qualquer ato contrário a ele.
Contudo, a aversão expressa pelos humanos não é avalizada, sequer sentida, pela “Vontade Geral”, já que para a “Essência de Tudo” a morte deliberada de uma de suas expressões é larga e prontamente compensada por vários nascimentos não desejados, o que torna o balanço final ainda mais positivo para si.
Assim, se for certo vermos no suicida um indivíduo que derrotou o Instinto de Viver, é preciso, também, que vejamos que a sua vitória foi um mero triunfo individual, pois a “Vontade” continua na espécie, como, aliás, comprova-se pela reação da mesma ao indivíduo que se matou.
Nas palavras de Schopenhauer:
“O suicídio, a voluntariosa destruição da existência fenomenal isolada, é um ato fútil e tolo, porque “a coisa em si mesma” – a espécie, a vida e a vontade em geral – continua inalterada por ele, assim como o arco-íris dura, por maior que seja a velocidade com que os pingos que o sustentam venham a cair”.
A constante necessidade, a quase eterna frustração e o tédio ameaçador continuam depois da morte do indivíduo; e continuarão enquanto a Vontade dominar o homem. Não poderá haver paz nem felicidade enquanto essa mesma Essência não for subordinada ao Conhecimento e à Inteligência. Não haverá vitória efetiva sobre os males da vida enquanto o homem não souber “Viver com Sabedoria”.
A seguir detalharemos o pensamento de Schopenhauer sobre este tema.

Nota do Autor – sobre as censuras religiosas e éticas* que são feitas ao suicida será preciso registrar que é um comportamento associado às religiões que predominam no Ocidente, o Judaísmo e o Cristianismo, e o oriental Islã. Outras culturas orientais não o veem de forma tão negativa, sendo que algumas religiões da Índia, como o Jainismo, por exemplo, adotam-no como caminho para ascensão espiritual, principalmente através da inanição com o consequente esgotamento do corpo físico e de seus desejos. Noutros lugares, como no Japão, por exemplo, para muitos, o suicídio é uma alternativa válida ante o fracasso e a derrota. Posturas que podem chocar as mentes ocidentais, mas que devem ser vistas dentro do contexto em que acontecem.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettre, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de RP., do Rio de Janeiro em Junho de 2014.

Submited by

Monday, June 30, 2014 - 20:53

Prosas :

No votes yet

fabiovillela

fabiovillela's picture
Offline
Title: Moderador Poesia
Last seen: 9 years 12 weeks ago
Joined: 05/07/2009
Posts:
Points: 6158

Add comment

Login to post comments

other contents of fabiovillela

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Prosas/Others ALCESTE, Gluck - Óperas, guia para iniciantes 0 6.409 08/14/2015 - 13:26 Portuguese
Prosas/Others ORFEU e EURÍDICE, Hydn - Óperas, guia para iniciantes - Ensaio completo 0 4.498 08/14/2015 - 00:24 Portuguese
Poesia/Sadness Atos 0 3.313 08/11/2015 - 14:41 Portuguese
Poesia/General A Canção de Hiroshima 0 4.742 08/05/2015 - 19:11 Portuguese
Prosas/Others RIGOLETTO, Verdi - Óperas, guia para iniciantes. 0 9.008 08/04/2015 - 19:49 Portuguese
Poesia/Love Serenidades 0 3.570 07/29/2015 - 13:57 Portuguese
Poesia/General Os Traços 0 4.802 07/26/2015 - 13:14 Portuguese
Poesia/General Luna 0 3.591 07/21/2015 - 14:32 Portuguese
Poesia/General Assombros 0 5.343 07/19/2015 - 16:23 Portuguese
Prosas/Others Pagliacci, Leoncavallo - Óperas, guia para iniciantes 0 7.146 07/16/2015 - 14:34 Portuguese
Poesia/General A Moça de Cima 0 3.628 07/14/2015 - 14:14 Portuguese
Poesia/Love O Grito 0 3.557 07/11/2015 - 18:14 Portuguese
Prosas/Others Óperas, guia para iniciantes - Cavalleria Rusticana, Mascagni - Ensaio completo 0 9.316 07/10/2015 - 14:25 Portuguese
Prosas/Others Da Maioridade Penal 0 3.998 07/09/2015 - 22:46 Portuguese
Poesia/General Paraty 0 7.838 07/06/2015 - 00:09 Portuguese
Prosas/Others Óperas, guia para iniciantes - LUCIA DE LAMMERMOOR, Donizetti - Ensaio completo 0 3.326 07/01/2015 - 14:56 Portuguese
Poesia/Sadness As Idades 0 3.552 06/27/2015 - 15:07 Portuguese
Poesia/Love As Separações 0 4.951 06/25/2015 - 21:51 Portuguese
Poesia/General K., onze anos, apedrejada 0 2.939 06/22/2015 - 14:26 Portuguese
Poesia/Love Sax 0 4.054 06/19/2015 - 14:17 Portuguese
Poesia/General Matem 0 4.202 06/16/2015 - 14:23 Portuguese
Prosas/Tristeza Óperas, guia para iniciantes - EUGEN ONEGIN, Tchaikovsky - Ensaio completo 0 7.499 06/15/2015 - 19:09 Portuguese
Poesia/Love Ao filho que fiz 0 4.306 06/13/2015 - 15:59 Portuguese
Poesia/General Negra Calíope 0 4.330 06/12/2015 - 13:04 Portuguese
Poesia/Love Enigmas 0 4.616 06/11/2015 - 14:20 Portuguese