CRESCI (CRONICA)

cresci. acordei com meu cabelo e suas pontas quebradas. o mau hálito matinal. a preguiça dominando cada átomo meu. cresci. desejei sexo assim que vi o corpo ao lado do meu. toquei na pele macia e a ereção se fez, imediata. cresci. deixei a cama sob protestos de mim mesmo. arrastei-me até o banheiro. deixei lá minha urina no vaso sanitário e todo o meu sono se foi pelo ralo junto com a água misturada ao sabonete e ao shampoo. cresci. vesti as mesmas roupas de sempre, sentei-me na mesma cadeira, comi o mesmo pão, bebi o café que parecia ser outro mas tinha o mesmo gosto dos cafés que tomei em todas as manhãs da minha vida. cresci. caminhei pelas calçadas evitando os olhares das pessoas simplesmente pois não queria ser simpático, bem educado, civilizado. a besta dentro de mim, o neandertal, o selvagem só queria espaço e solidão. cresci. entrei na sala, sentei-me na mesma cadeira, liguei os mesmos botões e sonhei com as mesmas coisas de sempre desejando que tudo aquilo terminasse logo. cresci. deixei aquele espaço antes do anoitecer. voltei pelo mesmo caminho, evitando os mesmos olhares, sem vontade alguma de desejar "boa tarde" ou então, "boa noite" a quem fosse. cresci. cheguei em casa e deixei meus sonhos irem pelo ralo junto com a mistura de sabonete e shampoo e depois sequei minha pele. cresci. voltei para a cama desejando sexo quando toquei a pele macia do corpo que estava ao meu lado e deixei meus olhos fecharem-se lentamente com a certeza de que aquele dia foi mais um dia como tantos outros dias da minha vida que sempre parece a mesma vida a ser cumprida a cada dia do mesmo jeito como se foi o dia anterior com a certeza de que algo mudou na minha vida e meus sonhos, anseios e alegrias mudaram de endereço pois  única certeza que me resta é esta: cresci.