Desculpa Se Sou Puta - Parte 1 - Capítulo 1 -

“Escrevo as linhas ténues do meu sonho,
Frágeis fragmentos de lucidez roubada,
Momentos, mais nada…
Podia amar-te hoje, lamber o salitre da dor que me trazes,
Perdoar sem esquecer-te…”

Inês Dunas
http://librisscriptaest.blogspot.pt/

Havia perdido os primeiros gritos de guerra, enclausurada nos meus lençóis de flanela, incapaz de reagir a mais uma segunda-feira penosa que se aproximava devagar sem querer espantar os mortais que encaram esse dia como uma penosa jornada.
Era obviamente o meu caso. Para mim, aos 14 anos a escola é uma tremenda seca, os transportes públicos são um tormento, as profs uma violenta dor de cabeça e sair ainda de noite para todo este tormento era uma perfeita loucura. Fosse eu que mandasse no mundo e decretaria a proibição de sairmos de casa como morcegos, às apalpadelas na escuridão de uma madrugada fria.
No piso inferior a generala (alcunha que dou à minha mãe, especialmente às segundas-feiras ou quando debita ordens incompreensíveis), berrava a plenos pulmões que era hora de levantar…e a escola…blá…blá….blá.
A minha mãe é aquele género de pessoa chata, que acha que sabe tudo, que percebe tudo, que sabe o que eu quero, o que sinto e o que passo, mas ela não sabe nadica de nada. Se há algo que odeio mesmo do fundo do coração é o ar presunçoso dos cotas que acham que somos apenas crianças, que somos apenas fiteiras, que necessitamos apenas de estudar, de marrar e blá,blá,blá. Que diabo, somos pessoas como eles, com gostos e ódios mil e temos todo o direito a não querer que as ditas "verdades Universais" brotem de bocas de gentinha que nada é na vida.
Veja-se o meu caso, ou por outra, o caso da minha mãe. Funcionária do correios,(não, não anda de mota a distribuir cartas, se bem que isso era fixe), em nove anos nunca foi promovida, ao contrário da colega dela que só lá está há um ano. Depois, separou-se há cerca de dois meses, porque o meu pai descobriu que a secretária dele era mais eficiente e mais nova que a cota da minha mãe e ainda por cima, perdeu o carro que havia comprado, com a desculpa de que já era velho e só daria despesas extras. Isso fez-me pensar que também ela era velha e a adivinhar pelos montes de comprimidos que sempre traz da farmácia, poderia igualmente fazer-lhe uma rifa com a mesma desculpa.
Eu não sou mimada, sou apenas ciente do conforto e o carro, bem vistas as coisas, era o espaço quente e tranquilo, os vinte minutos de tranquilidade antes de ser largada na tortura. Era uma espécie de última refeição de um condenado à morte.
O meu pai claro, é o meu herói  Sempre foi e sempre será. No dia em que ele saiu de vez de casa, sentou-se à cabeceira da minha cama, explicando-me o que estava a suceder, com longas pausas, gestos teatrais e frases feitas ou bem ensaiadas mas  quanto mais ele se alongava nas explicações, mais percebia que, embora sem o dizer, a minha mãe era a culpada da sua saída e isso enfureceu-me.
Saí para o dilúvio sem uma palavra, sem sequer olhar para trás. Mãe que é mãe nunca permitiria que filha fosse para escola neste temporal, pensei eu amargamente quando o meu Nokia vibrou:
-Onde estás?
-Ao frio e à chuva a caminho da escola e tu?
-A caminho também. Estás perto de casa?
-Sim…Porque?
-Estou com o meu pai. Queres boleia?
-Lógico. – Sorri eu esperançada.
-Ok S.
A.era a minha mais recente amiga e já a caminho de uma promoção de melhor amiga. Era aquele tipo de miúda que sabe sempre ouvir e dar um sorriso esperançoso. Além disso e apesar de só a conhecer á meio semestre acompanhou de perto o meu drama da separação dos meus pais. Ou seja, adoro-a.
O Ford Fiesta cinza chegou relativamente rápido e lá dentro os dois sorriam-me. A vinha à frente no lugar do pendura e o pai ao volante. Não perdi tempo e entrei para o banco de trás, lutando para me sentar com o guarda-chuva, a mochila e a minha aptidão natural para ser desastrada sob pressão.
E é precisamente por esta boleia e no quanto ela me influenciará que escolhi este chuvoso dia, como o princípio da minha história.

Submited by

Saturday, February 7, 2015 - 11:07

Prosas :

No votes yet

Mefistus

Mefistus's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 4 years 41 weeks ago
Joined: 03/07/2008
Posts:
Points: 3000

Add comment

Login to post comments

other contents of Mefistus

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Meditation Direito ao Deserto 11 1.542 03/12/2010 - 00:11 Portuguese
Poesia/Fantasy Momento Estragado 13 1.707 03/11/2010 - 20:36 Portuguese
Poesia/Haiku A Guerreira de Cristal 7 1.634 03/09/2010 - 17:44 Portuguese
Poesia/Comedy Ah, Nobre Senhora! 6 1.239 03/06/2010 - 03:00 Portuguese
Poesia/Dedicated O segredo 11 1.665 03/04/2010 - 21:50 Portuguese
Poesia/Aphorism Fim de tudo, Principio do Nada 8 1.095 03/04/2010 - 01:41 Portuguese
Poesia/Fantasy Maria Rita 11 1.819 03/03/2010 - 01:05 Portuguese
Poesia/Intervention Madeira 9 2.594 02/24/2010 - 20:44 Portuguese
Poesia/Meditation Grito Mudo 4 1.567 02/24/2010 - 18:33 Portuguese
Poesia/Erotic Corpo Maldito! 10 1.914 02/22/2010 - 04:51 Portuguese
Poesia/Meditation TENHO MEDO DE TER MEDO! 12 1.877 02/18/2010 - 21:22 Portuguese
Poesia/Love Será que te Amo? - (Dueto Mefistus e Danny Filipa) 11 1.317 02/18/2010 - 19:42 Portuguese
Prosas/Teatro Ai amor, vou para a Guerra 6 2.229 02/18/2010 - 16:17 Portuguese
Poesia/Love Mata-me!! 8 1.177 02/15/2010 - 23:38 Portuguese
Poesia/Fantasy Hoje sigo só 11 1.484 02/13/2010 - 17:47 Portuguese
Poesia/Meditation A história um dia falará.. 10 1.238 02/13/2010 - 15:17 Portuguese
Poesia/Intervention Escuta o SOL!! 5 1.317 02/13/2010 - 11:38 Portuguese
Poesia/Sadness Curva Fechada 7 1.087 02/13/2010 - 01:18 Portuguese
Poesia/Aphorism Amiga, Vais Morrer! 7 1.455 02/13/2010 - 01:15 Portuguese
Poesia/Passion Naquela cabana, em terreno deserto.(Dueto MariaCarla e Mefistus) 10 1.506 02/13/2010 - 01:10 Portuguese
Poesia/Comedy Amor Castrado 5 1.164 02/13/2010 - 00:56 Portuguese
Poesia/Intervention Auchwitz - Amor esquecido 10 1.672 02/13/2010 - 00:39 Portuguese
Prosas/Thoughts Maria Borboleta 7 1.538 02/07/2010 - 23:16 Portuguese
Poesia/Comedy Don Vasco 6 1.459 02/07/2010 - 01:40 Portuguese
Poesia/General Mariana e Romeu 6 1.209 02/05/2010 - 20:47 Portuguese