Esta sou eu no meu melhor!


O ser humano é imprevisível. Não podemos ter como certeza a resposta a como reagiríamos em determinadas circunstâncias. De que estou a falar? De mim, no meu melhor!
Se me acham contida, é porque não me conhecem. Concluo que, à medida que os anos vão passando, vou-me tornando intempestiva e inconveniente. Resumindo e baralhando, já vou fazendo coisas que não lembra a ninguém, muito menos a mim própria.
Hoje, mesmo, tive uma manhã no mínimo surreal. Saí à rua para ir tomar o pequeno almoço ao café, um pequeno luxo a que me dou o direito, há muitos anos. Sob aquele estado de transe em que nos encontramos muitas vezes quando vamos a conduzir em percursos que conhecemos de olhos fechados e costumamos dizer que o carro já sabe o caminho, avistei um parzinho amoroso, de mão dada, coisa que nada tem de anormal.
Os meus olhos arregalaram-se e fixaram o rapaz que estava de costas para mim, de mão dada com a jovem. Instantaneamente, o meu coração começou a bater forte e eu não queria crer no que estava na minha frente. O mesmo corte de cabelo, a mesma silhueta, as pernas iguais dentro de uns calções estampados de marca de desporto, a T.shirt azul escura, a mesma forma de andar, um clone não seria tão bem reproduzido.
E eu ali a vê-los avançar a pé enquanto eu estava na faixa de rodagem que me obrigava a virar no cruzamento à esquerda, quando o que eu queria era ir em frente e poder olhar para trás para ver o rosto daquele rapaz que tirara a manhã para me atormentar.
O semáforo abriu e eu virei à esquerda, logo seguida de inúmeras outras viaturas que não me deram oportunidade de praticar a primeira contra-ordenação da minha vida.
Mal tive oportunidade, estacionei o carro e sai a correr no encalço do casalinho. Quando dobrei a esquina do Estádio do Bonfim, já os “pombinhos” iam a chegar à pizzaria e a atravessar a estrada para entrar no jardim do Bonfim, palco ideal para encontros românticos. A esta altura já devem estar a pensar que eu estou louca. Apressei o passo e alheia ao que as pessoas pudessem pensar por me ver a correr lá atravessei a estrada com os carros a apitar e constatei que atravessavam o parque em diagonal. Resolvi espiá-los do lado de fora das grades do jardim, mas escusado será dizer que os vultos estavam cada vez mais distantes da mira dos meus olhos e que me era impossível distinguir os traços do rosto do rapaz, já que era esse o personagem que me interessava ver de perto.
Nesta altura, com a minha hipertensão ao rubro, tive um ligeiro flash de memória e lembrei-me que, afinal, o namorado da minha filha mais nova tem um primo-irmão (filho da irmã da mãe e do irmão do pai), um gémeo não causaria tanto estrago. Virei costas, o mais discretamente que pude e quando cheguei ao carro descansei a cabeça no volante e as lágrimas caíram-me incontroladamente.
Isto é aquilo que qualquer pai ou qualquer mãe é capaz de fazer por um filho/filha. Logo eu que até sou uma senhora educada!

Maria Fernanda Reis Esteves
50 anos
natural: Setúbal

Submited by

Thursday, June 3, 2010 - 22:23

Poesia :

No votes yet

Nanda

Nanda's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 12 years 23 weeks ago
Joined: 10/23/2009
Posts:
Points: 2469

Comments

RobertoEstevesdaFonseca's picture

Re: Esta sou eu no meu melhor!

Amiga Nanda.

A emoção é inata, "a priori". A razão vem depois, a partir da emoção.
Portanto, penso que a emoção não seja imprevisível. Ela, efetiva e permanentemente, está em nós.

De Esteves para Esteves.

Gisa's picture

Re: Esta sou eu no meu melhor!

Eu faria a mesma coisa, por isso, estou contigo! Abraços

Susan's picture

Re: Esta sou eu no meu melhor!

Que lindo cuidado , devoção ,carinho e Amor .
Muito gostoso de se ler !!!
Abraços
Susan

Add comment

Login to post comments

other contents of Nanda

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/General Vulgo 2 1.523 09/19/2011 - 17:21 Portuguese
Poesia/Meditation Embargo 1 1.732 08/22/2011 - 15:37 Portuguese
Poesia/Dedicated A minha verdade (A Pablo Neruda) 0 1.672 08/12/2011 - 21:52 Portuguese
Poesia/General Simulacro 0 1.543 07/29/2011 - 21:59 Portuguese
Poesia/Meditation (In)casta 1 1.341 07/21/2011 - 00:07 Portuguese
Poesia/General Elegia à vida ávida 1 1.981 07/09/2011 - 18:19 Portuguese
Poesia/Fantasy Metáfora 3 2.024 07/08/2011 - 19:53 Portuguese
Poesia/Meditation (In)Coerências 2 1.575 07/03/2011 - 00:31 Portuguese
Poesia/Meditation Minudência 1 1.719 06/19/2011 - 03:21 Portuguese
Poesia/Sonnet Soneto da inconfidência 3 1.800 06/14/2011 - 16:36 Portuguese
Prosas/Comédia Multiculturalidade 0 1.928 06/10/2011 - 16:58 Portuguese
Poesia/General Dei Verbum 0 1.581 06/01/2011 - 22:27 Portuguese
Poesia/General Ciclos 3 2.152 05/29/2011 - 17:31 Portuguese
Poesia/Sonnet Canto final 0 1.498 05/21/2011 - 17:14 Portuguese
Poesia/Sadness Aos corvos 1 2.784 05/07/2011 - 17:30 Portuguese
Poesia/General Conversa puxa conversa 2 1.597 05/03/2011 - 18:16 Portuguese
Poesia/General Inventário 2 1.949 04/30/2011 - 21:25 Portuguese
Poesia/General Raia miúda 1 2.316 04/25/2011 - 22:57 Portuguese
Poesia/General Legitimidades 1 1.972 04/24/2011 - 23:56 Portuguese
Poesia/Acrostic Magnificent 1 1.918 04/18/2011 - 17:19 Portuguese
Poesia/Meditation Trazei vozes comedidas 4 2.244 04/13/2011 - 01:04 Portuguese
Poesia/Dedicated A Deus! 1 1.569 04/10/2011 - 19:48 Portuguese
Poesia/General Escrito no céu 2 1.312 04/04/2011 - 22:11 Portuguese
Poesia/Thoughts Carícias 3 1.360 03/31/2011 - 00:02 Portuguese
Poesia/General Trazei vozes comedidas 3 1.866 03/23/2011 - 00:08 Portuguese