E não é que ele a perdeu? Enquanto ela perdia a vida...
Ele achou que já a havia ganho, que estava tudo consumado por um decreto. Porém ele esqueceu que ela era uma borboleta, livre e louca na natureza, colorida, voando erraticamente, cheirando cada verso em flor que desabrochavam nos campos da mente, recém saída do seu escuro e cinza casulo, aproveitando a alegria do sol de uma nova vida, cheia de luz, adivinda da transmutação de larva em flor voadora. Não o culpo por se apaixonar por uma borboleta, elas são assim, em seu vôo zique-zagueante, apaixonantes.
Com as grossas mãos, que não tinham sensibilidade para sentir a delicadeza frágil das finas asas da livre falena, ele tentou aprisiona-la entre o vazio das suas mãos, simplesmente ele primeiro quis segurá-la com força, e até conseguiu, porém danificou uma das asas, sem mais voar, ela era sua, esticada, com as asas murchas. Com suas mãos imensas de homem da vida, tentou esticar a asa, rasgou mais ainda, então irritado, tentou pega-la pelo fino corpo, esmigalhou o ventre dela entre os polegares e a viu agonizar, num frêmito, o último farfalhar das asas rotas da borboleta e, por descuido, apenas por ser homem, ele a perdeu.
Ficou triste alguns segundos, depois pegou o martelo e seguiu martelando o monótono som do ferro dos dias, com a foice ceifou mais um chumaço de capim alto que brotava perto da cerca de arame farpado que ele erguia em torno do coração e com fios de verbos seguiu, resignado e sem muito lamentar, costurando os moirões de estrofes, um atrás do outro e nem mais lembrou que a borboleta um dia voou bela por um prado de girassóis, cores e versos encantados, dançando para ele nua, enfeitada de amor em seus cabelos de falena.
E quanto à Borboleta? Que importa? Morreu com suas asas rotas e com sua alma estraçalhada por um descuido de uma mão rude que não sabe cuidar. Mas antes de morrer, no seu último farfalhar de asas, sorriu e dançou para ele, conforme sabia que um dia o pobre homem quis, justo antes dele esmigalhar seu ventre fecundo com seus toscos polegares que esqueceram que a delicadeza existe, apenas por serem polegares de um homem rude que não foi cuidado e portanto não sabe cuidar. Até hoje jaz seca, com suas asas rasgadas entre as folhas de um livro chamado "Vinte poemas de amor e uma canção desesperada", que nunca foi lido.
Submited by
Prosas :
- Login to post comments
- 1879 reads
Add comment
other contents of analyra
| Topic | Title | Replies | Views |
Last Post |
Language | |
|---|---|---|---|---|---|---|
| Poesia/Thoughts | Pasto-gente | 8 | 1.494 | 04/28/2010 - 17:32 | Portuguese | |
| Poesia/Meditation | Meu amigo Cérbero | 6 | 1.773 | 04/27/2010 - 21:36 | Portuguese | |
| Poesia/Passion | Até chegar em ti. | 4 | 1.718 | 04/27/2010 - 16:43 | Portuguese | |
| Poesia/Thoughts | Depois que o barco fantasma passa. | 4 | 1.623 | 04/27/2010 - 16:31 | Portuguese | |
| Poesia/Intervention | Coração | 11 | 2.018 | 04/26/2010 - 14:44 | Portuguese | |
| Poesia/Passion | Quente? | 10 | 1.501 | 04/21/2010 - 21:28 | Portuguese | |
| Poesia/Fantasy | A duas vozes. (duo Nuno Marques e Ana Lyra) | 4 | 2.045 | 04/19/2010 - 16:56 | Portuguese | |
| Poesia/Passion | Quase amor | 3 | 1.543 | 04/19/2010 - 16:49 | Portuguese | |
| Poesia/Comedy | Não aprendo! | 3 | 1.286 | 04/17/2010 - 13:32 | Portuguese | |
| Poesia/Fantasy | Último pedido | 12 | 2.350 | 04/15/2010 - 03:55 | Portuguese | |
| Poesia/Erotic | Desejo carnal | 9 | 2.573 | 04/14/2010 - 01:37 | Portuguese | |
| Prosas/Letters | Masturbação (dueto Ana Lyra e Vony) | 6 | 3.197 | 04/12/2010 - 19:15 | Portuguese | |
| Poesia/Passion | Masturbação (dueto Vony e Ana Lyra | 6 | 1.609 | 04/12/2010 - 15:31 | Portuguese | |
| Poesia/Intervention | Pensamento aprisionante | 12 | 1.982 | 04/12/2010 - 15:28 | Portuguese | |
| Poesia/Intervention | Hoje | 6 | 1.577 | 04/12/2010 - 15:25 | Portuguese | |
| Poesia/Meditation | Paradigma | 5 | 1.875 | 04/12/2010 - 15:09 | Portuguese | |
| Poesia/Meditation | Crescer? | 4 | 1.732 | 04/12/2010 - 14:28 | Portuguese | |
| Poesia/Dedicated | Dança comigo, amigo poeta( para Fabio Vilela | 3 | 1.729 | 04/10/2010 - 21:51 | Portuguese | |
| Poesia/Dedicated | Dança comigo | 6 | 1.789 | 04/10/2010 - 17:20 | Portuguese | |
| Poesia/Love | Por favor | 6 | 2.513 | 04/09/2010 - 17:40 | Portuguese | |
| Poesia/Intervention | Grito contido | 15 | 3.019 | 04/01/2010 - 17:28 | Portuguese | |
| Poesia/Aphorism | decisão | 3 | 1.725 | 03/29/2010 - 15:37 | Portuguese | |
| Poesia/Comedy | Meu requiém | 6 | 1.330 | 03/29/2010 - 09:13 | Portuguese | |
| Poesia/Comedy | Moira por favor não deixe meu sol se por | 2 | 1.522 | 03/28/2010 - 17:17 | Portuguese | |
| Poesia/Dedicated | Ler um poema de amor | 5 | 2.093 | 03/27/2010 - 21:42 | Portuguese |






Comments
Re: E não é que ele a perdeu? Enquanto ela perdia a vida...
Muito lindo. A beleza é sempre efêmera. Não suporta que a tratem com descaso e muito menos com rudeza. Tal qual a borboleta,que era bela enquanto livre,mas teve as suas asas rasgadas,por ser tratadas por mãos que não conheciam a delicadeza.Obrigada pelo comentário tão gentil.Beijo