Tu Tens um Medo (Cecília Meireles)

Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Não ames como os homens amam.
Não ames com amor.
Ama sem amor.
Ama sem querer.
Ama sem sentir.
Ama como se fosses outro.
Como se fosses amar.
Sem esperar.
Tão separado do que ama, em ti,
Que não te inquiete
Se o amor leva à felicidade,
Se leva à morte,
Se leva a algum destino.
Se te leva.
E se vai, ele mesmo...
Não faças de ti
Um sonho a realizar.
Vai.
Sem caminho marcado.
Tu és o de todos os caminhos.
Sê apenas uma presença.
Invisível presença silenciosa.
Todas as coisas esperam a luz,
Sem dizerem que a esperam.
Sem saberem que existe.
Todas as coisas esperarão por ti,
Sem te falarem.
Sem lhes falares.
Sê o que renuncia
Altamente:
Sem tristeza da tua renúncia!
Sem orgulho da tua renúncia!
Abre as tuas mãos sobre o infinito.
E não deixes ficar de ti
Nem esse último gesto!
O que tu viste amargo,
Doloroso,
Difícil,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos
Humanos,
Esquecidos...
Enganados...
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor...
... E tudo que era efêmero
se desfez.
E ficaste só tu, que é eterno.

 

Cecília Meireles (1901-1964), poetisa, professora, pedagoga e jornalista,

cuja poesia lírica e altamente personalista, freqüentemente simples

na forma mas contendo imagens e simbolismos complexos,

deu a ela importante posição na literatura brasileira do século XX.
 

Submited by

Saturday, February 26, 2011 - 19:38

Poesia :

No votes yet

AjAraujo

AjAraujo's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 7 years 10 weeks ago
Joined: 10/29/2009
Posts:
Points: 15584

Add comment

Login to post comments

other contents of AjAraujo

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Intervention A uma mendiga ruiva (Charles Baudelaire) 0 14.093 07/03/2014 - 02:55 Portuguese
Poesia/Intervention Coração avariado 1 6.348 06/25/2014 - 03:09 Portuguese
Poesia/Fantasy Flores bonecas 2 4.448 06/24/2014 - 20:14 Portuguese
Poesia/Intervention Caminho de San Tiago 0 5.907 06/24/2014 - 00:31 Portuguese
Poesia/Sonnet Há em toda a beleza uma amargura (Walter Benjamin) 1 5.718 06/20/2014 - 21:04 Portuguese
Poesia/Sonnet Vibra o passado em tudo o que palpita (Walter Benjamin) 1 6.237 06/19/2014 - 23:27 Portuguese
Poesia/Meditation Sonhe (Clarice Lispector) 1 9.199 06/19/2014 - 23:00 Portuguese
Poesia/Intervention Dá-me a tua mão (Clarice Lispector) 0 8.033 06/19/2014 - 22:44 Portuguese
Poesia/Intervention Precisão (Clarice Lispector) 0 9.472 06/19/2014 - 22:35 Portuguese
Poesia/Meditation Pão dormido, choro contido 1 4.903 06/13/2014 - 04:02 Portuguese
Poesia/Fantasy A dívida 1 5.044 06/12/2014 - 04:52 Portuguese
Poesia/Intervention Eco das Ruas 1 3.739 06/12/2014 - 04:38 Portuguese
Poesia/Aphorism Maneiras de lutar (Rubén Vela) 2 6.532 06/11/2014 - 11:22 Portuguese
Poesia/Aphorism O médico cubano, o charuto e o arroto tupiniquim (cordel) 2 8.051 06/11/2014 - 11:19 Portuguese
Poesia/Intervention Espera... (Florbela Espanca) 0 3.538 03/06/2014 - 11:42 Portuguese
Poesia/Intervention Interrogação (Florbela Espanca) 0 7.272 03/06/2014 - 11:36 Portuguese
Poesia/Intervention Alma a sangrar (Florbela Espanca) 0 5.235 03/06/2014 - 11:32 Portuguese
Poesia/Sonnet Vê minha vida à luz da proteção (Walter Benjamin) 0 4.684 03/03/2014 - 13:16 Portuguese
Poesia/Dedicated Arte poética (Juan Gelman) 0 5.755 01/17/2014 - 23:32 Portuguese
Poesia/Dedicated A palavra em armas (Rubén Vela) 0 3.738 01/17/2014 - 23:01 Portuguese
Poesia/Fantasy A ÁRVORE DE NATAL NA CASA DE CRISTO (FIODOR DOSTOIÉVSKI) 0 3.736 12/20/2013 - 12:00 Portuguese
Poesia/Dedicated Aqueles olhos sábios 0 6.288 10/27/2013 - 21:47 Portuguese
Poesia/Thoughts Asteróides 0 5.154 10/27/2013 - 21:46 Portuguese
Poesia/Thoughts O que se re-funda não se finda 0 5.688 10/27/2013 - 21:44 Portuguese
Poesia/Intervention Para mim mesmo ergui…(Aleksander Pushkin) 0 4.487 10/16/2013 - 00:14 Portuguese