Adeus à hora da largada (Agostinho Neto)

Minha Mãe

(todas as mães negras

cujos filhos partiram)

tu me ensinaste a esperar

como esperaste nas horas difíceis

 

Mas a vida

matou em mim essa mística esperança

 

Eu já não espero

sou aquele por quem se espera

 

Sou eu minha Mãe

a esperança somos nós

os teus filhos

partidos para uma fé que alimenta a vida

 

Hoje

somos as crianças nuas das sanzalas do mato

os garotos sem escola a jogar a bola de trapos

nos areais ao meio-dia

somos nós mesmos

os contratados a queimar vidas nos cafezais

os homens negros ignorantes

que devem respeitar o homem branco

e temer o rico

somos os teus filhos

dos bairros de pretos

além aonde não chega a luz elétrica

os homens bêbedos a cair

abandonados ao ritmo dum batuque de morte

teus filhos

com fome

com sede

com vergonha de te chamarmos Mãe

com medo de atravessar as ruas

com medo dos homens

nós mesmos

 

Amanhã

entoaremos hinos à liberdade

quando comemorarmos

a data da abolição desta escravatura

 

Nós vamos em busca de luz

os teus filhos Mãe

(todas as mães negras

cujos filhos partiram)

Vão em busca de vida.

(Sagrada esperança)

 

Agostinho Neto (1922-1979), médico e poeta angolano.

Submited by

Tuesday, May 17, 2011 - 02:48

Poesia :

No votes yet

AjAraujo

AjAraujo's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 7 years 8 weeks ago
Joined: 10/29/2009
Posts:
Points: 15584

Add comment

Login to post comments

other contents of AjAraujo

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Intervention A uma mendiga ruiva (Charles Baudelaire) 0 13.838 07/03/2014 - 02:55 Portuguese
Poesia/Intervention Coração avariado 1 6.201 06/25/2014 - 03:09 Portuguese
Poesia/Fantasy Flores bonecas 2 4.293 06/24/2014 - 20:14 Portuguese
Poesia/Intervention Caminho de San Tiago 0 5.839 06/24/2014 - 00:31 Portuguese
Poesia/Sonnet Há em toda a beleza uma amargura (Walter Benjamin) 1 5.647 06/20/2014 - 21:04 Portuguese
Poesia/Sonnet Vibra o passado em tudo o que palpita (Walter Benjamin) 1 6.117 06/19/2014 - 23:27 Portuguese
Poesia/Meditation Sonhe (Clarice Lispector) 1 9.021 06/19/2014 - 23:00 Portuguese
Poesia/Intervention Dá-me a tua mão (Clarice Lispector) 0 7.834 06/19/2014 - 22:44 Portuguese
Poesia/Intervention Precisão (Clarice Lispector) 0 9.238 06/19/2014 - 22:35 Portuguese
Poesia/Meditation Pão dormido, choro contido 1 4.800 06/13/2014 - 04:02 Portuguese
Poesia/Fantasy A dívida 1 4.910 06/12/2014 - 04:52 Portuguese
Poesia/Intervention Eco das Ruas 1 3.669 06/12/2014 - 04:38 Portuguese
Poesia/Aphorism Maneiras de lutar (Rubén Vela) 2 6.346 06/11/2014 - 11:22 Portuguese
Poesia/Aphorism O médico cubano, o charuto e o arroto tupiniquim (cordel) 2 7.851 06/11/2014 - 11:19 Portuguese
Poesia/Intervention Espera... (Florbela Espanca) 0 3.456 03/06/2014 - 11:42 Portuguese
Poesia/Intervention Interrogação (Florbela Espanca) 0 7.059 03/06/2014 - 11:36 Portuguese
Poesia/Intervention Alma a sangrar (Florbela Espanca) 0 5.069 03/06/2014 - 11:32 Portuguese
Poesia/Sonnet Vê minha vida à luz da proteção (Walter Benjamin) 0 4.570 03/03/2014 - 13:16 Portuguese
Poesia/Dedicated Arte poética (Juan Gelman) 0 5.659 01/17/2014 - 23:32 Portuguese
Poesia/Dedicated A palavra em armas (Rubén Vela) 0 3.664 01/17/2014 - 23:01 Portuguese
Poesia/Fantasy A ÁRVORE DE NATAL NA CASA DE CRISTO (FIODOR DOSTOIÉVSKI) 0 3.623 12/20/2013 - 12:00 Portuguese
Poesia/Dedicated Aqueles olhos sábios 0 6.122 10/27/2013 - 21:47 Portuguese
Poesia/Thoughts Asteróides 0 5.064 10/27/2013 - 21:46 Portuguese
Poesia/Thoughts O que se re-funda não se finda 0 5.587 10/27/2013 - 21:44 Portuguese
Poesia/Intervention Para mim mesmo ergui…(Aleksander Pushkin) 0 4.389 10/16/2013 - 00:14 Portuguese