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Resquícios de estranhas sinfonias - Romance (2º livro - Excerto)

"Se a noite foi longa ou o dia foi empurrado a aparecer, não sei… Apenas sonhava que estava sentado numa pedra em frente a um rio quando de repente saiu das águas um homem gritando de pavor. O meu susto foi tão grande que acordei e o mesmo grito preenchia o ar como se um pedaço do sonho se tivesse agarrado à realidade.
- Não!!! Por favor, não!!! – foram as palavras que acompanharam os gritos de desespero.
A seguir a estas, ouvi outras lamúrias, pedaços de frases emolduradas pela agonia que subiam em direcção aos meus ouvidos. Algo de terrível tinha acontecido, e não poderia ficar no quarto enquanto tal acontecimento se desenrolava.
Saindo da cama, vi um roupão dobrado em cima de uma cadeira. Vestindo-o, desci o mais depressa que pude, os gritos como guia para as minhas indagações. Após alguns minutos, já perto do final da escadaria, a porta aberta permitia-me observar parte da acção que decorria no exterior.
Uma enorme cacofonia de lamentações, choros e murmúrios revestia o dia mal nascido com as cores mais sombrias que se poderia desejar a alguém. O céu não era pintado de outras cores a não ser o chumbo, o seu semblante carregado impedindo o Sol de sorrir. O solo vestia a cor branca da neve, emoldurado pela estreita magreza de diversas árvores que compunham o jardim.
Uma vasta sebe ladeava os portões que davam para o jardim e, por detrás dos mesmos, um punhado de gente observava o cenário que era fruto de um burburinho capaz de enlouquecer. As casas deixadas a um desinteressante vazio de modo à curiosidade ser minguada, fazia-os tristes espectadores da desgraça alheia.
Podia avistar diversas pessoas no jardim. Duas mulheres, uma mais jovem de roupas elegantes e outra mais velha, Mrs. Dowles, e vários homens, quatro dos quais supus serem criados devido à roupa que usavam, enquanto que um outro, o quinto, vestia um fato mais formal.
Tomando como eixo principal de toda a situação, pude ver uma carroça e dentro dela o corpo de uma jovem mulher sobriamente vestida mas não de forma vulgar, o vestido ensanguentado como prova de uma morte violenta. Perto dali, via um homem de cabelos já grisalhos, os joelhos tocando o chão, a cabeça prostrada perante o corpo de um outro homem a quem a vida, tal como à mulher que avistava na carroça, tinha parado na juventude. Como esta última, tinha as roupas tingidas pelo sangue, um terrível contraste para a alvura da neve, o que me fazia imaginar o desfecho e ponderar as inevitáveis razões.
Não é do meu prazer dar as lágrimas a conhecer ao mundo mas admito que chorei… Chorei por dois jovens cujo fogo, sorriso e esperanças foram destruídas… Chorei por um pai além da flor da idade que vê o filho caído... Chorei por não haver sorte nesta malfadada vida que nos faça ter prazer em caminhar…
Levantando-se, as pernas trémulas pelo desenlace da vida, o homem dirigiu-se aos outros que estavam no jardim.
- Chamai Mr. Robson… Serão precisos dois caixões… Os corpos deverão ser levados para a casa funerária e tudo preparado para o velório e posterior funeral… Por ora, nada mais há a dizer… Após o funeral, será Deus a cuidar deles… - enquanto falava, podia aperceber-me da sua enfraquecida voz, denotando a tristeza que lhe ia na alma e, mesmo assim, uma segurança no que fazer.
Abaixando-se uma outra vez, tocou com a mão no rosto do jovem, beijando-lhe a testa. Passaram longos minutos até o momento que Mrs. Dowles olhou para mim e, subindo as escadas, perguntou-me porque não estava na cama, que não deveria perigar a saúde.
- Ouvi os gritos e a curiosidade levou a melhor… - Que aconteceu? – indaguei.
- Oh, senhor, uma terrível desgraça… - respondeu Mrs. Dowles visivelmente constrangida –Robin, o filho mais velho de Sir Henry, e a mulher deste, Margaretha, foram encontrados mortos na estrada. Da carruagem onde vinham com os seus dois filhos nada se sabe…
- Foram assaltados?
- Pensa-se que sim, embora há muito que não se ouve falar de tal selvajaria… É horrível… Vinham visitar Sir Henry, por ocasião do seu aniversário, que será depois de amanhã…Sir Henry não merecia tal dor… Um homem justo e bondoso apenas mereceria o que de bom a Vida trouxesse.
Observando-o, pus-me a lamentar o favor que nos é concedido ao nascer. Um favor que, por vezes, parece ser uma punição por qualquer pecadilho que tenhamos, por mais diminuto que seja. Segundo Mrs. Dowles, Sir Henry parecia ser dos seres que são tratados com malvadez pelos crimes de quem não conhece a moralidade. Infelizmente, a História possui muitos desses casos…
O guinchar do portão fez-nos olhar para fora onde se encontrava o carro funerário puxado por um cavalo preto que parecia ter já conhecido melhores dias. A conduzi-lo, encontrava-se um homem de meia-idade com o típico aspecto daqueles que abrem as portas à morte.
Por vezes, a Vida leva o melhor de nós quando tentamos acariciar as memórias que nos foram concedidas e nos apercebemos da injustiça que colocou um fim abrupto ao sorriso que tanto apreciávamos. Ao desbravarmos o nosso passado, é sentido com agonia o facto de que os momentos mais trágicos perduram mais tempo do que aqueles que nos fizeram sentir bem porque ponderamos mais acerca da dor, da falta que a pessoa querida nos faz.
Ver Sir Henry se levantar e olhar para alguém que, num outro dia qualquer, pudesse encarar como amigo para neste desejar nunca o ter visto, é algo que me ficará na memória. As lágrimas que corriam pelo seu rosto eram a marca viva de quanto a dor fulmina a alma como um ácido que não conhece inocentes.
Uma ligeira brisa fria começava a se sentir, arrepiando os ossos como se as lágrimas não fossem suficientes para arrepiar a alma. Esses dissonantes acordes nesta sinfonia desigual que é a existência transforma o horror em angústia e esta quebra-se em negrume levando-nos a crer que a dor não é tanta quando se nasce como quando se morre, se morrer também for ver a quem se ama, esvair-se deste mundo.
Poucos minutos depois, já os corpos estavam a ser colocados no carro funerário enquanto um homem abria, uma vez mais, o portão. Por detrás deste, muitos faziam os seus comentários, horrorizados pelo terrível desfecho de duas vidas, abrindo espaço para o carro sair. Infelizmente, parecia que a tragédia que nos leva a outro reino nada mais passava do que uma peça teatral pois, quando o carro funerário rumou ao seu destino, a multidão dissipou-se, deixando apenas as leves impressões nas folhas caídas das árvores que cobriam o caminho.
Ao julgarmos a conduta de quem preza a vida com o aparato perante a morte de outros, vemos que nada existe de orgulho na nossa existência se os minutos aniquilam as memórias e, da dor, nada mais resta do que ossos. Por sermos demasiado incultos, nada sabemos do que se passa para além dessa cortina que concede descanso e apenas conseguimos homenagear a existência com as lágrimas que aprendemos a desperdiçar. Afinal, a presença de quem nos fez bem sempre tem a sua beleza.
Subindo as escadas, amparado por um criado, Sir Henry olhou para mim, os olhos perdidos, a alma trucidada, e apenas disse:
- Desculpai-me…
E, com isso, entrou na casa, o queixo caído, as mãos apertadas uma à outra a meio da face, a tristeza corroendo-lhe as entranhas. Se os males do mundo são tantos porque não são amontoados num qualquer inferno onde não hajam seres vivos? A Natureza terá os seus prodígios e se fez mal em dispersar o caos, que valor teria a ordem ao existir? Infelizmente, as questões que levam ao que de negativo nasceu, são sempre as que mais importam à nossa vida… "

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segunda-feira, março 9, 2009 - 19:17

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