Lavo as Mãos Como Pilatos

Se por todas as razões que desconheço, me encontrar paralisada quando chegar o momento de me dividir em duas, nada me espanta, pois já nada me resta, a não ser algumas gotas de suor morno, que me escorrem pela face rugosa e negra de um cansaço que me segue, desde que o mundo é mundo. Na terra, jaz morto um pedaço da minha fome, e já nada me pertence, sempre que olho o céu e o encontro acoplado a uma abóbada colorida pronta para me dar as boas vindas, e a quem se quiser encontrar comigo, para se inteirar de um mundo que só espera morrer para remissão dos seus pecados. Se por algum motivo, chegar até mim a abundância, tomarei nas minhas mãos as rédeas de um sonho acostumado a viajar no espaço, ocupando-me das coisas mais singelas que a vida tem.

Deus, foi raras vezes um companheiro fiel, pois depositou em mim toda a esperança de me poder sentir eu própria, o resgate de todas as manhãs e me redimir de todos os cansaços impostos por outra face de um mundo que espera e desespera por encontros finais. Mas em verdade me foi dito, que estes encontros nem sempre se assemelham a causas determinantes esventradas da terra e apadroadas por rostos cansados pelo movimento que a circunda. O efeito esvoaçante que vestiu o Homem e o depositou em terra firme, trouxe novas formas de pensar, construídas e edificadas a partir da Fonte, mas a terra não se conseguiu manter no seu movimento de rotação e desfez-se em pedaços, para que cada um deles, representasse a verdade, que tomada ou recebida, seria uma parte do nosso corpo aberto ao tratado do Universo.

As águas das nascentes já irrigam os campos, e nas searas, o trigo desponta dourado como o sol do verão. Há um renascer das madrugadas, sempre que me fixar nesta era que me pertence, tanto quanto me pertenceu, aquele que se fez Homem-Deus no meio de todos os homens e mulheres que o seguiram, e após, o vestiram de luto. As suas vestes eram de puro linho e a sua casa era de pura argamassa, e o meu corpo sofria por todas as noites que passavam, sem lhe poder dizer, que também aqui, morava alguém, e que apesar das vestes bordadas a ouro, havia uma inflexão dos movimentos de um corpo, quase a morrer de sede. Na verdade, serão precisos registos próprios de ADN, capazes de humedecer os sentidos, e os adubar para a longa viagem que finalizará o todo universal do meu corpo, mas continuo lavando as minhas mãos, tal como Pilatos, naquele tempo em que os rios irrigavam as oliveiras, e as preparavam para os novos frutos que dariam luz ao novo mundo.

(A Voz do SiLêncio)

Submited by

Wednesday, March 31, 2010 - 19:39
No votes yet

ÔNIX

ÔNIX's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 13 years 29 weeks ago
Joined: 03/26/2008
Posts:
Points: 3989

Comments

Mefistus's picture

Re: Lavo as Mãos Como Pilatos

Genial Onix;
Boa alegoria no titulo, perfeita na construção.

Muito bom mesmo!

ÔNIX's picture

Re: Lavo as Mãos Como Pilatos Para Mefistus

Obrigada Mefistus pela presença

Beijos

mariacarla's picture

Re: Lavo as Mãos Como Pilatos

Uma reflexão que nos transporta ao inicio prendendo-nos num texto escrito com grande sensibilidade ao olhos de quem lê.

Feliz Páscoa

beijinho

Carla

ÔNIX's picture

Re: Lavo as Mãos Como Pilatos Para Carla

Olá Carla

Sempre atenciosa para co as minahs palavras

Agradeço de coração

Beijos

Add comment

Login to post comments

other contents of ÔNIX

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Meditation Depois a Vida 14 1.721 02/26/2010 - 00:55 Portuguese
Poesia/Love Amo Como Quem Voa 15 1.685 02/26/2010 - 00:40 Portuguese
Poesia/Meditation Muros de Betão 5 2.849 02/26/2010 - 00:32 Portuguese
Poesia/Meditation Carece-me o Sentimento 3 1.672 02/26/2010 - 00:11 Portuguese
Poesia/Meditation Sou... 2 1.865 02/25/2010 - 23:59 Portuguese
Poesia/Sadness Soberana És Tu 12 1.948 02/25/2010 - 15:39 Portuguese
Prosas/Others Às Escuras Encontro-te 2 2.188 02/25/2010 - 04:19 Portuguese
Prosas/Romance Às Escuras Encontro-te II (O Meu Sentir) 1 1.501 02/25/2010 - 04:09 Portuguese
Poesia/Meditation Lembra-me 2 2.284 02/24/2010 - 22:17 Portuguese
Poesia/Meditation Solidão 2 1.538 02/24/2010 - 22:06 Portuguese
Poesia/Aphorism Sente-me 2 2.747 02/24/2010 - 21:47 Portuguese
Poesia/Aphorism Vento Agreste 4 1.306 02/24/2010 - 21:41 Portuguese
Poesia/Meditation Escrevo-me Assim 1 1.691 02/24/2010 - 21:32 Portuguese
Poesia/Meditation Jogo Disfarçado 2 1.605 02/24/2010 - 21:01 Portuguese
Poesia/Love Sedução 2 1.644 02/24/2010 - 20:55 Portuguese
Poesia/Meditation Lágrimas caídas 3 1.399 02/24/2010 - 20:51 Portuguese
Poesia/Meditation Folha Caída 3 1.214 02/24/2010 - 20:41 Portuguese
Poesia/Meditation Sopro Largo 2 1.751 02/24/2010 - 20:40 Portuguese
Poesia/Meditation Sentindo...Tudo Faz Sentido 3 1.676 02/24/2010 - 20:37 Portuguese
Prosas/Romance Vozes 4 2.230 02/24/2010 - 16:13 Portuguese
Prosas/Romance Perco-me 3 2.412 02/24/2010 - 16:02 Portuguese
Prosas/Others Sentindo 1 1.603 02/24/2010 - 15:37 Portuguese
Prosas/Romance Que Culpa Tenho Eu? 4 1.754 02/24/2010 - 11:54 Portuguese
Poesia/Meditation O Que Nos Move (Repub.) 17 1.787 02/23/2010 - 12:04 Portuguese
Poesia/Meditation Os Nossos Olhares Tocam-se na Força do Ventos (Dueto) 12 1.700 02/22/2010 - 17:21 Portuguese