Lavo as Mãos Como Pilatos
Se por todas as razões que desconheço, me encontrar paralisada quando chegar o momento de me dividir em duas, nada me espanta, pois já nada me resta, a não ser algumas gotas de suor morno, que me escorrem pela face rugosa e negra de um cansaço que me segue, desde que o mundo é mundo. Na terra, jaz morto um pedaço da minha fome, e já nada me pertence, sempre que olho o céu e o encontro acoplado a uma abóbada colorida pronta para me dar as boas vindas, e a quem se quiser encontrar comigo, para se inteirar de um mundo que só espera morrer para remissão dos seus pecados. Se por algum motivo, chegar até mim a abundância, tomarei nas minhas mãos as rédeas de um sonho acostumado a viajar no espaço, ocupando-me das coisas mais singelas que a vida tem.
Deus, foi raras vezes um companheiro fiel, pois depositou em mim toda a esperança de me poder sentir eu própria, o resgate de todas as manhãs e me redimir de todos os cansaços impostos por outra face de um mundo que espera e desespera por encontros finais. Mas em verdade me foi dito, que estes encontros nem sempre se assemelham a causas determinantes esventradas da terra e apadroadas por rostos cansados pelo movimento que a circunda. O efeito esvoaçante que vestiu o Homem e o depositou em terra firme, trouxe novas formas de pensar, construídas e edificadas a partir da Fonte, mas a terra não se conseguiu manter no seu movimento de rotação e desfez-se em pedaços, para que cada um deles, representasse a verdade, que tomada ou recebida, seria uma parte do nosso corpo aberto ao tratado do Universo.
As águas das nascentes já irrigam os campos, e nas searas, o trigo desponta dourado como o sol do verão. Há um renascer das madrugadas, sempre que me fixar nesta era que me pertence, tanto quanto me pertenceu, aquele que se fez Homem-Deus no meio de todos os homens e mulheres que o seguiram, e após, o vestiram de luto. As suas vestes eram de puro linho e a sua casa era de pura argamassa, e o meu corpo sofria por todas as noites que passavam, sem lhe poder dizer, que também aqui, morava alguém, e que apesar das vestes bordadas a ouro, havia uma inflexão dos movimentos de um corpo, quase a morrer de sede. Na verdade, serão precisos registos próprios de ADN, capazes de humedecer os sentidos, e os adubar para a longa viagem que finalizará o todo universal do meu corpo, mas continuo lavando as minhas mãos, tal como Pilatos, naquele tempo em que os rios irrigavam as oliveiras, e as preparavam para os novos frutos que dariam luz ao novo mundo.
(A Voz do SiLêncio)
Submited by
Prosas :
- Login to post comments
- 3020 reads
Add comment
other contents of ÔNIX
Topic | Title | Replies | Views |
Last Post![]() |
Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Prosas/Contos | Nus de Espanto Numa Triste Avenida | 10 | 1.403 | 02/22/2010 - 14:29 | Portuguese | |
Poesia/Dedicated | Tu Mulher | 9 | 1.120 | 02/16/2010 - 22:30 | Portuguese | |
Poesia/Meditation | Ciclos de Vida e Morte | 11 | 1.312 | 02/16/2010 - 22:23 | Portuguese | |
Prosas/Romance | Um Nada Dentro de Tudo O Que Existe no Céu | 4 | 1.323 | 02/16/2010 - 22:14 | Portuguese | |
Poesia/Love | Tentas-me (Dueto Matilde D'Ônix e Octávio da Cunha) | 14 | 1.416 | 02/15/2010 - 14:50 | Portuguese | |
![]() |
Fotos/Nature | Minha Filha | 1 | 1.898 | 02/14/2010 - 19:41 | Portuguese |
![]() |
Fotos/Faces | Eu | 1 | 1.750 | 02/14/2010 - 19:31 | Portuguese |
Poesia/Sadness | Cansaço | 10 | 1.436 | 02/12/2010 - 10:17 | Portuguese | |
Poesia/Love | Saudades de Amor | 12 | 1.399 | 02/12/2010 - 10:14 | Portuguese | |
Poesia/Sadness | Há Cansaços Assim | 9 | 1.586 | 02/11/2010 - 21:19 | Portuguese | |
Poesia/Sadness | Puro Mel | 11 | 1.482 | 02/11/2010 - 21:15 | Portuguese | |
Prosas/Others | Náufragos | 3 | 1.393 | 02/09/2010 - 23:12 | Portuguese | |
![]() |
Fotos/Bodies | Muros de Silêncio | 1 | 2.099 | 02/08/2010 - 16:20 | Portuguese |
![]() |
Fotos/Bodies | Pérolas | 2 | 1.693 | 02/08/2010 - 16:15 | Portuguese |
Prosas/Contos | Uma Questão de Fé | 12 | 1.660 | 02/08/2010 - 11:43 | Portuguese | |
Prosas/Others | Sedução das Águas | 6 | 1.695 | 02/08/2010 - 11:42 | Portuguese | |
Poesia/Meditation | Penso, Crio, Existo | 10 | 1.250 | 02/06/2010 - 23:37 | Portuguese | |
Poesia/Meditation | Ultimatum | 10 | 1.253 | 02/06/2010 - 23:33 | Portuguese | |
![]() |
Fotos/Nature | Lusco-Fusco em Castro Daire | 1 | 2.153 | 02/06/2010 - 15:52 | Portuguese |
Poesia/Meditation | Seremos Iguais a Ti (Desafio Poético) | 8 | 1.214 | 02/05/2010 - 11:05 | Portuguese | |
Poesia/Meditation | Olhares Cativos | 7 | 985 | 02/05/2010 - 10:49 | Portuguese | |
Poesia/Meditation | Cativeiros | 10 | 2.017 | 02/05/2010 - 10:41 | Portuguese | |
Poesia/Dedicated | Ulysses, encontro-me no tempo da saudade | 10 | 1.174 | 01/29/2010 - 10:30 | Portuguese | |
Prosas/Tristeza | No Meio do Nada | 10 | 1.812 | 01/28/2010 - 13:51 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | Avatar | 8 | 1.380 | 01/28/2010 - 13:42 | Portuguese |
Comments
Re: Lavo as Mãos Como Pilatos
Genial Onix;
Boa alegoria no titulo, perfeita na construção.
Muito bom mesmo!
Re: Lavo as Mãos Como Pilatos Para Mefistus
Obrigada Mefistus pela presença
Beijos
Re: Lavo as Mãos Como Pilatos
Uma reflexão que nos transporta ao inicio prendendo-nos num texto escrito com grande sensibilidade ao olhos de quem lê.
Feliz Páscoa
beijinho
Carla
Re: Lavo as Mãos Como Pilatos Para Carla
Olá Carla
Sempre atenciosa para co as minahs palavras
Agradeço de coração
Beijos