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"Por caminhos arcanos errei" - Romance (Excerto)

" Caminhando, vi surgir, como se estivesse perdida neste deserto rural, isolada do resto do mundo como um eremita, uma árvore. Esta era a mais estranha que tinha presenciado, pois parecia uma enorme bruxa por entre o nevoeiro, torneando o cenário em desígnios que nos fariam pensar estar prestes a entrar num reino de fantasia.
Os seus ramos, desprovidos da beleza que as folhas tendem a inculcar perante os olhos, pendiam para os lados como se quisessem tocar o chão. O seu tronco exibia grossas protuberâncias que o aspecto rugoso pretendia esconder. Forçando os olhos, consegui aperceber-me de que essas protuberâncias formavam no seu conjunto… palavras.
Não se podia pensar, nem sequer ousar dizer que a caligrafia do ser que tinha escrito se afastava da ideia preconcebida do esforço em conseguir marcá-las na árvore. Os seus contornos, agrestes, forçados tinham sido feitos como se quisessem causar dor à inocente árvore, de modo a que perdurassem eternamente essas cicatrizes. No entanto, o que me espantou mais era a mensagem que as letras formavam pois, gravadas no tronco da árvore já morta, conseguia ler:
CEDRIC AMA ISABELLA
Seria a Isabella que conhecia ou uma outra rapariga das montanhas? Se fosse a doce rapariga que tive o prazer de conhecer, Cedric poderia ser o seu noivo morto. Se, por outro lado, fosse uma outra rapariga, não mais interessaria perder tempo em tolas divagações que espelhavam um romantismo quase infantil. Esquecendo por ora a árvore e o seu segredo, continuei o propósito a que, levado pela curiosidade, me tinha anteriormente destinado.
Já me aproximava do que era essa mancha esverdeada que tanto me tinha intrigado e após algum tempo, consegui ver que as formas estranhas que antes tinha avistado, surgiam por entre os leves arbustos que se começavam a notar como algo que nunca pensei ser. Para meu espanto, estas formavam um local de descanso e de plenitude espiritual. Um cemitério deixado numa paz angustiante e assustadora ao abrigo da solitária Natureza…
Vários minutos depois, pude observar com mais precisão. Haviam sepulturas diferentes em tamanho, a maior parte em pedra muito bem trabalhada, invocando as formas das pessoas que as ocupavam, formas associadas a santos e anjos ou descrevendo cenas mórbidas e fantasmagóricas.
Caminhando por esse verdejante terreno onde a liberdade é apenas concedida à alma e o odor não traz alegria, sentia-me invadido por pensamentos e especulações sobre a natureza do Homem e da sua obra. A força que impele o ser humano a ir mais além nas suas expectativas e aprender algo sobre si é somente pura curiosidade ou será que existe algo mais que nos faz regozijar com o que é assustador de dia e terrível de noite?
Será que o que aprendemos durante as horas de luz é pouco se comparado com o que a escuridão nos pode ensinar? Se assim é, será que nos tornaremos monstros ao assimilar tais impuros ensinamentos nunca conseguindo enfrentar o que de terrível existe no coração das trevas pois os nossos momentos seriam sempre entorpecidos e impuros?
Minutos viajaram pelas correntes do Tempo e, quando dei conta, já tinha avançado mais de cem metros neste recanto de infame tristeza. Um fino nevoeiro pairava pouco acima do solo, tocando-me nos joelhos como se me estivesse a agraciar por aqui ter entrado ou, reles pensamento, como se me estivesse a convidar a ficar.
Por entre todas as campas e jazigos que tinha observado, uma construção levou o meu interesse, não tanto pelas suas mórbidas gravuras, como pela sua magnificência. Ao longe, lá estava ela, como se perdida entre os que se encontram perdidos, erigida e, por anos, esquecida.
Por mais obras que façamos enquanto vivos, talvez sejam poucos os que as queiram conhecer muitos anos depois, as nossas façanhas sendo sempre suplantadas por outras ainda maiores. Quem é se importa com o Passado quando a Vida continua em frente, teimando em dar importância aos que se agarram ao seu brilho?
Quem seriam os que aqui repousavam? De que forma os seus sorrisos, suspiros, glórias e derrotas tinham surgido? Alguém já por eles tinha chorado mas, mesmo assim, esses outros já tinham falecido, indo para um reino que nada tem a ver com este.
Quantas vezes nos deixamos levar pela injustiça que é viver, seduzir o Tempo a ser nosso aliado quando, muito mais tarde, nos apercebemos que nós é que fomos seduzidos? Pensando que devemos ter orgulho em nós próprios por nos considerarmos importantes, somos apenas as personagens principais na história da nossa vida, outros também o sendo nas suas e pensando o mesmo que nós. Talvez o único orgulho que possamos ter seja o facto de que tenhamos muito para dar embora nem sempre o saibamos…
Apesar de todos os pensamentos que pudessem surgir, fachadas atrás de fachadas sobre o que é a existência, faria o possível para deixar a tristeza de lado, deixar a mente vaguear por outros meandros após a curiosidade ter sido saciada e voltar ao castelo.
Já me fartava tanta triste divagação, tanta perda de brilho só por a alma não conseguir se conter, apenas desejando que Kirstin estivesse ao meu lado e pudéssemos continuar a nossa conversa sobre o que nos fazia bem. Podia estar neste lugar mas sorria por a conhecer, o seu sorriso não me deixando ser pobre, nem a sua voz menos calmo, o bater do meu coração irrompendo em loucura como se apenas ela me pudesse trazer vida.
Estava embrenhado em doces pensamentos quando, de repente, algo surgiu por detrás das raquíticas árvores… Uma figura que, talvez pelo nevoeiro que surgiu de forma mais intensa, talvez pela situação perturbadora do momento, me fez crer ser disforme e tenebrosa. Mas também, tudo o que conhecemos pela primeira vez nos surge como disforme e tenebroso…
Tal como aprendemos algo de novo, tal como em criança nos ensinam as letras e os números que farão parte das nossas vidas e tentamos descodificar a importância de tais símbolos, a mera observação de algo ao longe, sendo dificultada por uma atmosfera tão pouco propícia, pode alterar a realidade quando em conjunção com uma imaginação hiperactiva… tal como a minha era.
Fiquei perplexo ao me aperceber que a figura se tinha aproximado do edifício que tinha contemplado minutos antes e espantei-me ainda mais ao verificar que tinha aberto o portão, permitindo assim adentrar nos segredos que jazem nas sombras.
Julguei à priori que tinha avistado um Ankou, um guardião dos cemitérios, e é certo que senti um arrepio me percorrer a espinha pois, quando vagueamos por um local tão funesto como este me pretendia, a última coisa na nossa mente é o desejo que, das sombras, uma sombra surja. A não ser, claro, se for alguém que nos reconforte com um sorriso radioso e um aperto de mão amistoso e nos diga palavras amigáveis.
Tal não me parecia ser o caso, pois se alguém parecia conhecer tão bem um cemitério como a figura que avistei, e esta não me parecia ser um coveiro, então muito se tinha a dizer dela.
Avançando cautelosamente, tentei conhecer mais sobre a estranha figura e sobre o seu estranho procedimento. Tudo o que é misterioso é interessante e o que nos permite desvendar esses interesses é um certo dom ou defeito que todos conhecem pelo nome de curiosidade e que nunca me deixa só.
O portão encontrava-se entreaberto, abrindo-me a imensas conjecturas e foi então que levei a mão de encontro à imensa entrada de metal decorada com figuras de plantas trepadeiras, uma caveira inteiramente em mármore e outras representações igualmente mórbidas, esperando encontrar uma solução para o estranho caso.
Subitamente, quando me preparava para entrar na terrível edificação, uma dor intensa fez-se sentir na minha cabeça e desmaiei envolto em dor. A escuridão absorvia tudo o que existia à minha volta, querendo se firmar na minha mente como uma terrível doença a que não havia qualquer fuga.
As trevas regozijavam-se pelo embuste perpetrado, alucinando em paranóia todos os meus sentidos. Gradualmente, morosamente, sentia-me despertar dessa escuridão para um outro plano existencial, para uma outra dimensão. E esta… parecia ser de loucura!
Sentia-me vaguear mas não pela terra nem pelo ar. Pelo menos, não no mundo que conhecia, nesse recanto que tudo daria para voltar a conhecer e que tanta paz me traria se soubesse ser onde estava.
Encontrava-me num sítio onde nem as leis da gravidade, nem as da física faziam sentido. Para dizer a verdade, nada parecia fazer sentido pois a cacofonia de sons e imagens espalhavam desordem e insensatez como se nada mais conhecesse para adornar a existência.
Mesmo assim, de todo o lado, a luz surgia parecendo desejar me confortar, banhar-me num puro e terno deleite como se fosse a máscara da inocência num oceano de perdição, de desencanto, de injustiça e decepção.
As leis da geometria eram uma nulidade na imensidão que avistava e o que existia à minha volta era somente a vivacidade, talvez ilusória, da Natureza. A brancura da neve brilhando a essa perpétua luz, a frescura do verde das plantas que pairavam acima no éter celestial, induzia-me a encarar um verdadeiro paraíso cujo significado não atingia.
Gritos e espasmos de dor surgiam de todo o lado como pregos que me perfuravam a carne, sentindo depois velhas e distorcidas mãos me acariciando como se quisessem me confortar. E isto quase ao mesmo tempo, transformando tudo em incessantes turbilhões de malícia e salvação.
De repente, senti-me como se a matéria física de que era feito, me desse a conhecer que a realidade era apenas o remoer de imagens e sons, o meu espírito sendo depois chamado para aquela carcaça mortal a que designamos por corpo.
No estado imaterial em que me encontrava, designá-lo-ia sempre por dor… doce e eterna dor…
Tão lentamente como as gotas de água que caem de uma torneira mal fechada, a minha alma descia em direcção ao corpo imóvel que se encontrava numa cama. Tal experiência parecia levar séculos e não minutos como de certeza deveria ser e no seu término senti-me acossado ao passar de um estado espiritual livre de quaisquer preocupações para um estado físico pleno de emoções vis.
Abri então os olhos e observei o que sucedia à minha volta…
Encontrava-me no meu quarto, no entanto algo me parecia estranho. A atmosfera surgia um tanto pesada, um tanto enevoada, um tanto dolorosa e não parecia haver alguma possibilidade de encontrar paz. Afinal, como a poderemos encontrar se temos um pesadelo ao dormir e, após acordar, sentimos que fragmentos desse mesmo pesadelo tomaram conta dos nossos sentidos?
Como se acometido de uma debilitação do corpo, levantei-me da cama e caminhei embora não fosse um andar normal, pois parecia-me que as minhas pernas, transformadas em chumbo por qualquer maquinação odiosamente infernal, pretendessem continuar imóveis. No entanto, a força de vontade é algo que nunca deverá ser maculada por torpes desígnios…
Avançava, levando cada segundo, minutos de dolorosas emoções, em direcção a um destino que pretendia ser a minha libertação, a minha salvação: a janela. Abrindo-a, pensava, poderia dissipar a atmosfera pútrida e iníqua que sentia.
Encontrava-me somente a poucos metros mas, na altura, poderia ser a mil quilómetros, pois a dor que sentia por todo o meu corpo era tal que julgava não mais poder me movimentar se pensasse em parar.
Se, de alguma forma, me pudesse libertar do que encarava como um terrível pesadelo, faria tudo o que o bondoso Deus me designasse fazer. Afinal, em tudo devemos ter um pouco de esperança, deixar o medo de lado e pensar que conseguimos alcançar os nossos objectivos. Aquele que não espera, que receia chegar e desiste nunca conseguirá o seu intento!
Apesar da dor, da vileza de pensar que talvez devesse ficar onde estava e deixar-me levar pelo pútrido encanto que o cenário me transmitia, segui em frente, passo a passo, espasmo a espasmo, temendo apenas desistir. Não sei quanto tempo levou mas, com um derradeiro esforço sobre-humano, consegui atingir a apoteose final.
Abrindo a janela, deparei-me, quase imediatamente, com uma sensação de alívio, de prazer ao permitir que uma leve brisa matinal se tornasse presente no recanto da minha dolorosa deambulação.
O quarto já não me surgia baço, mórbido, o meu corpo já não era alvo da doença, de um entorpecimento demente. Avistava agora claramente o que deveria realmente avistar, a sanidade da realidade, da verdade, da vontade da Natureza. A esperança de poder prosseguir o meu caminho pelo terreno da existência era, nesse momento, uma firme ideia na minha mente.
Sem algum resquício de aviso, surgindo do nada que avistava, um braço, um horrível e grotesco membro superior envolveu o meu pescoço com as suas garras retorcidas e afastou-me da segurança que pairava nesse momento no meu quarto. Privilegiando uma força tremenda e para a qual eu não possuía resposta, elevou-me no ar e jogou-me em direcção ao solo que circundava o castelo.
Enquanto descia vertiginosamente rumo a um dissoluto fim, sentia-me invadido por uma certa confusão, a ignomínia do terror. O meu grito espalhava-se ao vento sem qualquer poder, pois este parecia querer troçar da minha ominosa situação. Lembro-me que, quando embati no solo, senti cada osso, músculo, nervo e órgão do meu corpo ser esmagado, feito em pó, passar de um vazio existencial para um todo espiritual.
A dor que senti, e que surgiu somente por menos de um segundo, foi forte mas, recobrando a força de vontade, me infligi uma nova oportunidade de viver submetido às árduas provas que o Sol desperta…"

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terça-feira, março 10, 2009 - 21:36

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Solitudinis

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Comentários

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Re: "Por caminhos arcanos errei" - Romance (Exc...

Não desgosto de ler o que publicas mas, são demasiado longos estes Exc... Daí falta de paciência para ir até acabar!

gosto do que escreves!Aproveito para te dizer que espero muito em breve ler um poema esrito por ti!
Desculpa a sinceridade.

bjo 8-)

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