O flanelinha e a puta (parte 1) - o flanelinha

Por coincidência encontrei os dois no mesmo dia.
O flanelinha em frente ao Banco do Brasil
Tarde de calor como é costume em Cáceres
O sol abrasador no seu fulgor tradicional
E lá estava ele para cobrir a moto com um papelão.

Ao sacar o dinheiro no caixa eletrônico
Depois de esperar em uma fila enorme
Em um banco que mais parece uma lata de sardinha
Separei os dois reais para entregar-lhe ao sair.
Nem me julguem se isso é certo ou errado
Cada um age de acordo com sua consciência.

Ele sorriu para mim ao ver que lhe daria dinheiro
Os dentes apodrecidos, mas feliz,
As mãos sobre a testa empoeirada e cheia de suor
Tentando se livrar do sol que batia em seus olhos.
- Obrigado moço – disse ele – você é muito gentil
Quase ninguém faz isso.

Olhei para os lados e as pessoas caminhavam freneticamente
Cada uma em seus pensamentos
Com seus problemas particulares
Contas para pagarem, dificuldades para resolverem.
- A vida é assim mesmo – disse-lhe.
Sorriu.

Poderia ter feito como sempre faço:
Subir em minha moto e ir para casa ou trabalho
A vida segue seu curso, afinal.
Mas, do nada me veio a ideia
De chamar aquele homem castigado pela vida
Para tomar um suco de laranja.
Ele sorriu mais uma vez:
- Sério?
- Sim. Com uma condição. Você me conta porque está nesta situação.
Topou e fomos tomar o suco na lanchonete.

Dei-lhe a liberdade de escolher um salgado
Ele comeu dois.
Enquanto comia ele me contou a sua biografia:
Não tivera oportunidades de estudar
Nunca conheceu o pai e a mãe não teve como sustentá-lo.
Viveu parte da infância com a avó,
Mas ela morreu e ele resolveu viver nas ruas.
Usava drogas (só para manter a vício)
- A vida não é fácil, moço!

Não posso expressar a sensação que tive ao vê-lo comer o lanche
E ele sorria ao contar-me a sua história.
- É bem concorrido aqui
Tem bastante gente precisando ganhar uns trocados.
Então, não resisti a pergunta que me incomodava:
- Quanto você consegue tirar com esse trabalho?
Ele fez uma cara séria. Pela primeira vez não sorriu.
Mas, foi por pouco tempo,
Logo abriu um largo sorriso
Mostrando os poucos dentes que ainda lhe restava na boca.
- 50, 80. Depende do dia e da boa vontade das pessoas.
Não sei dizer se isso é muito ou pouco
Não fiz a conta para saber quanto dá no final do mês
Mas, é uma vida miserável depender dos outros.
- Pelo menos não estou roubando.
Verdade. Pensei comigo.

Ele me agradeceu pelo lanche
Falou-me palavras de agradecimentos e sorriu mais uma vez.
Não sei por que, mas senti vontade abraça-lo.
Claro que ele se assustou
E as pessoas ali na lanchonete também:
- Vá com calma – disse ele – não sou gay nem gosto disso.
O que fazer?
Também não sou gay e nem era essa minha intenção.
Vi ele se afastando balbuciando alguma coisa:
- Esses engomadinhos! Tudo boiola!

(Continua...)

Poema: Odair José, Poeta Cacerense

www.odairpoetacacerense.blogspot.com

Submited by

Tuesday, July 30, 2019 - 00:02

Poesia :

No votes yet

Odairjsilva

Odairjsilva's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 22 hours 8 min ago
Joined: 04/07/2009
Posts:
Points: 20116

Add comment

Login to post comments

other contents of Odairjsilva

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Thoughts Por aqui 7 1.200 05/10/2025 - 21:59 Portuguese
Poesia/Disillusion O rosto nu do coração 7 1.066 05/10/2025 - 14:55 Portuguese
Poesia/Meditation Dor sem palavras 7 452 05/09/2025 - 23:00 Portuguese
Poesia/Meditation O que buscas? 7 1.180 05/09/2025 - 01:15 Portuguese
Poesia/Meditation O último suspiro 7 812 05/06/2025 - 20:01 Portuguese
Poesia/Thoughts Viver é mais que existir 7 1.660 05/05/2025 - 19:09 Portuguese
Poesia/Disillusion Saudade, ciúme e desespero 7 1.392 05/05/2025 - 03:45 Portuguese
Poesia/Disillusion Febre mansa 7 1.286 05/04/2025 - 14:00 Portuguese
Poesia/Disillusion Esperança e vontade 7 595 05/03/2025 - 13:56 Portuguese
Poesia/Intervention O que realmente importa? 7 5.883 05/02/2025 - 14:31 Portuguese
Poesia/Thoughts O tempo é espelho 7 1.666 05/01/2025 - 13:33 Portuguese
Poesia/Love Não é rebeldia 7 713 04/30/2025 - 21:13 Portuguese
Poesia/Love Quando amar é um crime 7 2.225 04/29/2025 - 20:19 Portuguese
Poesia/Meditation O outro lado da História 7 1.456 04/28/2025 - 20:57 Portuguese
Poesia/Thoughts A memória do meu futuro 7 1.583 04/27/2025 - 14:40 Portuguese
Poesia/Love Alguns encontros 7 1.182 04/27/2025 - 03:36 Portuguese
Poesia/Disillusion Te amar me pesa 7 1.346 04/26/2025 - 02:32 Portuguese
Poesia/Intervention A geração ansiosa 7 765 04/24/2025 - 22:31 Portuguese
Poesia/Meditation O Homem que Ninguém Libertou - Parte III - (O Que Veio Depois) 7 2.334 04/23/2025 - 20:16 Portuguese
Poesia/Meditation O Homem que Ninguém Libertou - Parte II - (A Ruptura) 7 1.301 04/22/2025 - 21:17 Portuguese
Poesia/Meditation O Homem que Ninguém Libertou - Parte I - (A Rotina) 7 623 04/21/2025 - 17:35 Portuguese
Poesia/Thoughts Os caminhos da razão 7 1.319 04/20/2025 - 23:11 Portuguese
Poesia/Love Próximo do infinito 7 666 04/20/2025 - 14:25 Portuguese
Poesia/Intervention Indubitável 7 951 04/19/2025 - 18:29 Portuguese
Poesia/Joy Saber viver 7 1.086 04/19/2025 - 13:55 Portuguese