O campo da alma

 


Figos maduros secam no parapeito da janela.

 

Ainda me lembro dos pingos de mel dos teus olhos
quando brilhavam mesmo nos dias frios de Inverno.

 

Os picapaus namoravam no interior de uma árvore
plantada há mais de um século por um pastor
que procurava no doce dos frutos suculentos
um antídoto para a amargura que o assolava
nos dias em que palmilhava terrenos selvagens
sem que pudesse ouvir a bela voz de uma qualquer flor.

 

O campo da alma onde o perfume se despia
para tomar banhos no riacho que atravessava os montes
encontrava nas roupas gastas pelo tempo
um aliado que o ajudasse a furar as sombras da pele
e a descobrir um novo cântico para remendar a nostalgia.

 

Já não há figos no parapeito da janela...

 

Ainda me lembro das casas feitas de granito ou de xisto
acolherem o teu sorriso quando eu já não estava.

 

As nuvens cinzentas chocavam umas como as outras;
um escárnio ensurdecedor povoava os tímpanos,
enlouquecia a escrita a tinta da china de cor preta,
escondia no núcleo do teu ego contagiante
o carisma com que enlaçavas os poemas que te escrevia.

 

A planície mudou de cor, transformou-se em pálida seara
que centrifuga as minhas células com lâminas afiadas.
O pó dos caminhos fustiga-me os olhos feridos
pelos solavancos  de azeitonas verdes e amargas
que ainda permanecem na oliveira antiga já esquecida.

 

Agora já não quero pensar no passado e tu surgiste.

 

Há um vazio profundo que se acerca de mim sorrateiramente
e quando dou por mim já não suporto a dor que ele me causa.
Depois penso como a tua presença no meu coração
me faz crescer uma esperança avassaladora e alegre
de poder voltar a sentir-me vivo e respirar tranquilamente
rumo à felicidade que sempre me escapou entre os dedos.

 

O campo da alma tem um horizonte sem fim,
dois belíssimos rasgos paralelos de imagens
que me observam através da distância que nos separa
unidas apenas pelo brilho das estrelas fascinantes...

 

Mas eu não posso gostar de ti
porque se tudo for uma ilusão que me desiluda
sei que tudo em mim será poente definitivo.

 

rainbowsky

Submited by

Jueves, Mayo 5, 2011 - 01:19

Poesia :

Sin votos aún

rainbowsky

Imagen de rainbowsky
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 5 años 5 días
Integró: 02/20/2010
Posts:
Points: 1944

Comentarios

Imagen de nunomarques

"Agora já não quero pensar no

"Agora já não quero pensar no passado e tu surgiste.

Mas eu não posso gostar de ti
porque se tudo for uma ilusão que me desiluda
sei que tudo em mim será poente definitivo."

Há imagens que se levantam e permanecem. Há momentos que se prolongam no tempo e há sempre a magia das tuas palavras.
Abraço
 

Imagen de Odete Ferreira

O campo da alma

Belo, imagético, profundo pela diversidade de estados de alma, por vezes expressos em belas antíteses...

Poesia...

:)

Imagen de neomiro

Se me permites, o passado já

Se me permites, o passado já lá foi, e os figos decerto, que já apodreceram no parapeito, avança e continua, pois és alma que pela dor inflingida, cresce mais bela que o ferimento côncavo desse amor perdido. Excelente.

Imagen de MarneDulinski

O campo da alma

Lindo poema, gostei muito, meus parabéns!

Destaco essa linda estrofe:

Há um vazio profundo que se acerca de mim sorrateiramente
e quando dou por mim já não suporto a dor que ele me causa.
Depois penso como a tua presença no meu coração
me faz crescer uma esperança avassaladora e alegre
de poder voltar a sentir-me vivo e respirar tranquilamente
rumo à felicidade que sempre me escapou entre os dedos.

Nosso abraço,

Marne

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of rainbowsky

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Desilusión Na dobra dos beijos 4 3.319 03/13/2018 - 16:46 Portuguese
Poesia/Tristeza Aquela outra lágrima 11 2.274 03/10/2018 - 10:42 Portuguese
Poesia/Dedicada Posso falar-te... 4 2.194 03/08/2018 - 18:10 Portuguese
Fotos/Otros Grito de melancolia 1 4.666 03/08/2018 - 18:10 Portuguese
Poesia/Tristeza Escreves ou não? 5 2.306 03/08/2018 - 18:08 Portuguese
Poesia/Tristeza Frieza 3 2.541 02/27/2018 - 09:52 Portuguese
Poesia/Intervención Gestos relevantes 1 2.078 01/31/2012 - 00:02 Portuguese
Poesia/Tristeza Mais que uma viagem 1 2.860 12/27/2011 - 00:44 Portuguese
Poesia/Desilusión Volátil - Parte III de III 2 2.136 12/22/2011 - 14:59 Portuguese
Poesia/Desilusión Volátil - Parte II de III 2 2.760 12/22/2011 - 14:41 Portuguese
Culinária/Pasteles TARTE DE MAÇÃ DO RAIN 1 2.957 11/28/2011 - 01:34 Portuguese
Poesia/Desilusión Volátil - Parte I de III 8 2.431 11/23/2011 - 14:42 Portuguese
Poesia/Tristeza Delírios 1 2.420 11/08/2011 - 19:42 Portuguese
Poesia/Tristeza A verdade chega 3 2.787 11/01/2011 - 14:29 Portuguese
Poesia/Tristeza A dimensão 1 3.009 10/27/2011 - 21:31 Portuguese
Poesia/Tristeza Formas difíceis 3 2.699 10/25/2011 - 15:07 Portuguese
Poesia/Tristeza Sanguessugas transversais 0 2.604 09/01/2011 - 21:12 Portuguese
Poesia/Tristeza No avesso da alma 2 3.635 08/20/2011 - 23:27 Portuguese
Poesia/Tristeza Luz fugitiva 2 3.600 08/15/2011 - 21:35 Portuguese
Poesia/Tristeza VIOLA ODORATA 1 3.823 08/06/2011 - 00:23 Portuguese
Poesia/Pensamientos Murmúrio e subtileza 6 2.228 07/18/2011 - 19:44 Portuguese
Poesia/Tristeza Sentimento 2 2.954 07/10/2011 - 12:52 Portuguese
Poesia/Desilusión Correndo para o abismo 2 2.773 06/28/2011 - 00:52 Portuguese
Poesia/Meditación O campo da alma 4 3.100 06/14/2011 - 12:32 Portuguese
Poesia/Intervención Défice geométrico 1 2.498 05/03/2011 - 22:49 Portuguese