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Raiva
A que trágico fardo nos trouxe a história, tantas páginas de sangue e de glória se tumultuando entre grandes nomes, auscultando na nossa espécime o viscoso pensamento pútrido, preenchendo com mazelas insuportáveis as lacunas da vida... e tudo isso para nada! Pena ser tão reduzida a expressão escrita ante a tudo que sinto desejo de dirimir, de exorcizar e dar de chutes. Pena ser tão desnecessárias as palavras que buscam a motivação do crime, o corte profundo com a navalha do verbo. Isso tudo é ridículo e cansa, faz-me sentir um rebelde que luta pela causa estudantil, mas nada tem a ver o crime a que faço apologia com a farfalhada desses pelegos que, para não morrerem no trono imundo de sua burguesia, sentem a necessidade de dizer que lutam por algo. Calem-se, não perturbem o negativismo daqueles que não fazem decoro aos gritos que proferem, é desnecessário que se lute por qualquer coisa, assistamos da mais alta concentração do nosso egoísmo o espetáculo raivoso da vida. Abaixo Marx! Cuspamos, de modo que não sobre saliva nas nossas goelas, em toda boca que se abrir para pronunciar o irritante vocábulo “esquerda”! Chega dessa mediocridade toda, passemos o rodo do absurdo nesses contraventores da visão, alvejemos com cianureto a humanidade, destruamos a cada um que diz tomar partido.
Observar a felicidade dos que dormitam e, por isso, agradecer-lhes com incontáveis gotas do meu suor por me mostrarem um cômico que eu não vejo? Não, não, meus senhores, eu hoje estou lúcido como uma dúzia de lanternas recarregadas com baterias novas; sobre o descampado da minha alma os soldados se movimentam diabolicamente e anseiam, todos eles, pelo choque cruel com as tropas inimigas; há fome de fígado alheio!
Viver é angustiante, porém,quando reflito, penso ser pior o fardo da vida quando não a sinto em toda plenitude do seu mistério. Angustiar-se é estar vivo, não ter certezas é estar dentro da poesia. Eu sou poeta. Isso também é ridículo. Cuspo em todas estas palavras.
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