Concreto Bruto
Tão poucos são os jardins,
tão poucas são as estrelas
e são tantas as ruas estreitas,
as vidas estreitas,
que nem sempre se cobre a cicatriz
de quem vive por um triz.
Na ponta de uma escada sem fim
uma moça de poucos dentes
e exagerado vermelho batom
chora a banalidade de outro abandono
e a vulgaridade da miséria de sempre.
Um jovem de pele manchada,
de dedos tatuados e cabelos alourados
ajeita o capuz de tecido ordinário.
Outros iguais repetem frases feitas
e lugares-comuns num arremedo de música,
enquanto sonham periféricas soluções,
mágicas poções e redentoras rebeliões.
Num canto da viela que sobe,
um homem traja um terno indevido.
Ao lado, uma mulher de longos cabelos
acompanha-lhe na melopeia dos versículos
que não leram, tampouco entenderam.
Alguém os insulta. Outrem os reverencia.
Indiferentes, seguem resolutos esse caminho
de Calvários compartilhados.
O trem de Morato apita na curva,
mas não espanta os "nóias".
Carrega marmitas
e os homens
que as consomem.
Carrega bolsas, meias-calças
e uns sonhos que sobram.
Anda e sacoleja no trilho de sempre.
Na vida de sempre.
O lúcido bêbado louco
proclama o Fim dos Tempos
e a inutilidade do Poeta Simbolista,
pois eis que os Anjos lhe contaram
que o esplendor de uma samambaia
não mais viria despejar a verde esperança
na árida nudez
das paredes desiludidas.
Há tanto concreto bruto
que nem o som alto dos velhos carros
consegue abafar os ruídos
dessa pegajosa miséria marrom.
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