Rituais

…Há neste silêncio uma voz apagada, mas continuo a ouvir os sons que me chegam do outro lado. Caminham já na minha direcção. Se me focar no ponto de onde vim, há a certeza de ser um silêncio guardado, que me segue num caminho inverso, contrariamente aquilo que fui no passado. Sou eu e tu quando nos olharmos no espelho, e conseguirmos tocar ao de leve na imagem reflectida. Aí ouviremos as nossas vozes, mesmo que isentas de som ao encontro de outras que correm no tempo, e não param nunca de chegar. Ouço-as quando me deito sobre a noite, à espera de ouvir alguma esquecida de mim, num outro momento, em que sonhar era simplesmente me delimitar num universo restrito de palavras mortas. São locais que se resguardam na penumbra da noite, até conseguirem encetar um movimento, onde os encontros são sempre o início antes do fim.

(...)
Por fim, não passamos todos de almas penadas, envoltas em quimeras de um tempo que nunca passa sem partir. Há neste caminho, vestes para remendar à chegada da luz. Se me quiserem seguir, terão que esquentar os lugares, sempre que os olhares se erguerem e formarem esferas oblíquas que caibam na minha mão. O sol tem-se feito rogado e eu segui em frente sem olhar para trás. Sigo há já algum tempo o percurso da esfera armilar. Parti sem destino e sem esta vontade louca de me saciar num encontro mais que perdido nas pedras negras duma calçada. Os meus passos são agora mais firmes, porque te esqueci num beco qualquer. Esta cidade fantasma, que se alimenta de corpos que se querem nus, nas horas em que as estrelas baixam sobre o rio, traz-me ao colo há já muitos anos. Vi-te um dia com os olhos postos no céu, e sorriam como quem se vê a viajar no espaço. Trazias nas palmas das tuas mãos, uma marca que vem de muito longe, saciavas-me nas noites calmas, ornamentadas pelos rostos caídos em jeito de amar. Eram quase todos da mesma cor. Indiferentes e circunspectos, iam sempre em direcção ao ponto de onde brotava qualquer fonte de alimento á sua alma. Se é que tinham alma, estas almas penadas, que de tanto correr, já cansadas se vestiam de branco, para poderem ser vistas na sombra onde o fado é malandro a vaguear pelos cantos.

Não esqueço o dia em que me pegaste na mão e me mostraste um ritual que me conduziu ao teu refúgio. Foi quando concluímos que amar é ficar, e dançar é rodopiar sempre no mesmo círculo. Ouviam-se por lá, outras vozes dilatadas no tempo. Era o tempo em que o amor sofria pelas ruas da amargura. Agora, é canto relembrado em corpos debilitados, que se querem num tempo em que foram um só….

"A Voz do Silêncio"

Submited by

Sunday, January 24, 2010 - 20:08

Prosas :

No votes yet

ÔNIX

ÔNIX's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 13 years 27 weeks ago
Joined: 03/26/2008
Posts:
Points: 3989

Comments

ulysseslaluce's picture

Re: Rituais

ÔNIX.

Ha uma face da gente coberta de melancolia,
é o que fez transparecer nas belas palavras do texto.

Bjs.

Ulysses

ÔNIX's picture

Re: RituaisP/Ulysses

Olá amigo Ulysses, que bela surpresa me fez aqui deste lado

Um eijo e obrigada amigo

Add comment

Login to post comments

other contents of ÔNIX

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Meditation Urge Saber 1 798 05/12/2010 - 20:19 Portuguese
Fotos/Faces Eu 2 2.090 05/11/2010 - 14:28 Portuguese
Poesia/Meditation Criação in Verbus 9 2.155 05/10/2010 - 12:57 Portuguese
Poesia/Meditation Fica comigo até uma última vez 13 1.455 05/06/2010 - 23:40 Portuguese
Poesia/Meditation O Centro Energético do Poema 9 1.704 05/06/2010 - 23:34 Portuguese
Poesia/Meditation Tenho medo do que se passa lá fora 15 1.735 05/05/2010 - 10:19 Portuguese
Poesia/Meditation Mata-borrão 8 1.501 05/04/2010 - 12:49 Portuguese
Poesia/Passion Meu companheiro de horas tardias 6 1.867 05/03/2010 - 09:29 Portuguese
Fotos/Faces Eu 2 1.932 04/30/2010 - 16:13 Portuguese
Poesia/Passion Absorver Licores Nobres e Fazê-los Escorrer Pela Tua Boca 8 1.860 04/29/2010 - 20:20 Portuguese
Poesia/Passion Quando ela o induzia de uma certa maneira 19 2.112 04/28/2010 - 15:22 Portuguese
Poesia/Meditation Tudo Tem um Preço 8 1.567 04/28/2010 - 15:14 Portuguese
Poesia/Erotic Aqueceu demais e não aguentou 12 1.141 04/26/2010 - 18:55 Portuguese
Poesia/Disillusion A marcar pontos no meio da estrada 8 4.175 04/26/2010 - 16:25 Portuguese
Poesia/Meditation Faz Tempo 13 1.614 04/23/2010 - 21:35 Portuguese
Poesia/Erotic Fruto da Época 17 1.526 04/23/2010 - 21:30 Portuguese
Prosas/Letters O nome que sempre te disse - Olá 4 4.015 04/23/2010 - 21:26 Portuguese
Poesia/Meditation Poema Infantil 8 1.176 04/23/2010 - 16:12 Portuguese
Poesia/Love Trago de Amores 6 1.558 04/19/2010 - 11:49 Portuguese
Prosas/Romance Verdes São as Folhas 2 1.969 04/19/2010 - 11:00 Portuguese
Poesia/Meditation Hoje Escutei Em Segredo... 10 1.887 04/14/2010 - 10:23 Portuguese
Prosas/Ficção Cientifica Lavo as Mãos Como Pilatos 4 3.012 04/13/2010 - 16:23 Portuguese
Fotos/Bodies Xailde 2 3.990 04/11/2010 - 01:22 Portuguese
Poesia/Meditation O Tudo e o Nada em Movimentos Circunspectos 6 1.251 04/09/2010 - 10:09 Portuguese
Fotos/Landscape Porto Covo 2 1.987 04/07/2010 - 14:48 Portuguese