Dias de Azar XIV

- Estás a gostar da faculdade? Ou Viseu era melhor?
- Gosto de cá estar, estou mais próxima dos meus amigos, da minha família e não preciso de todas as sextas-feiras fazer a mala e vir para casa num autocarro carregado de velhotas histéricas a gritar-me aos ouvidos. Viseu será sempre Viseu, gostei imenso de estudar lá, as pessoas são muito acessíveis e os professores são excelentes.
- Quais são as principais diferenças?
- Viseu é muito calmo. Ainda me estou a habituar a esta pequena confusão dos comboios, metros e não sei quê. Mas gosto de estar cá, tenho o Renato perto de mim e isso é o que realmente me importa. Sabes, deixei lá grandes amigos, nomeadamente a Anne.
- Quem é a Anne?
- A Anne vivia comigo e com o Renato na residência da faculdade, e era da minha turma, uma miúda impecável, é francesa, veio para cá porque não tinha faculdades de engenharia perto do sitio onde morava, e para ir para a faculdade que tinha engenharia ficava muito dispendioso, então veio para cá. Quando chegou pouco português falava, ajudei-a nas aulas e acabamos por ficar grandes amigas, aliás foi ela que me ajudou bastante com o Renato. Namora com um cantor muito conhecido, também ele francês, mas vive em Lisboa. Quando nós viemos ela pensou em vir também, mas acabou por não conseguir pedir transferência na altura. No dia do meu casamento, ela disse-me que houve uma desistência aqui e que provavelmente mudaria, só precisava de fazer uns exames… - Leonor não a deixa terminar:
- André, como se chamava aquele rapaz que desistiu?
- Acho que era Diogo Almeida, não tenho a certeza, pergunta ao Filipe, ele sabe. – Leonor faz um barulho para chamar atenção de Filipe:
- Como se chamava aquele rapaz que desistiu? – o rapaz virou-se para trás:
- Diogo Almeida, era um bom puto – era a primeira vez que Marisa via aquela cara, um rapaz de cabelo preto e olhos azuis. Era um dos melhores alunos da turma até à data.
- Desculpa te ter interrompido! O que ias dizer?
- A Anne é uma excelente aluna, apesar de não saber muito português… - o telemóvel não a deixa terminar:
“J'étais maintenant le secrétaire de l'Ordre et de deviner ce qu'ils ont dit?” – Marisa mostrava-se interessada na notícia que Anne tinha para lhe contar:
“ Conta-me boneca de porcelana francesa!” – uns breves 5 minutos depois, Anne respondia-lhe:
“Allez à vos côtés!” – Marisa estava obviamente feliz, mas onde ia viver Anne? Marisa não tinha conhecimento de residências da faculdade no Porto. Perguntou a Leonor:
- Aqui há residências da faculdade?
- Porquê?
- O pedido de transferência da Anne foi aceite, ela vai mudar-se para cá, não tem onde viver!
- Há. O Filipe vive numa, ele é de Bragança. Se quiseres falas com ele e ela até pode ir viver para a casa onde ele vive, aliás moram lá várias raparigas, se ela se conseguir adaptar, acho que pode ficar lá. – Filipe concordou em receber Anne até esta arranjar um sitio melhor para viver. Enquanto falava com Filipe, o seu telemóvel ia recebendo mensagens:
“ Estás ai chéri?”
“ Sim estava só, a ver se arranjava onde ficares”
“Désolé! Eh bien, je vais commencer à faire mes valises, car demain je dois aller à aulas.Vai être bon d'avoir des classes avec vous!”
“Anne Je m'ennuie de nos conversations, nous allons enfin pouvoir revivre des souvenirs d'autrefois! précise que la Renato vous allez arriver ici?”
“Pas besoin! Le Mickael me conduit! Tu vas me supporter plus de trois ans, pas l'idée que vous aimez?
Ps: Merci ma chérie” – Marisa estava felicíssima, isso notava-se no seu rosto, estava radiante, Anne era sem duvida a peça que lhe faltava naquela sala de aula:
“ Amo a ideia” – Renato não respondera à sua mensagem. Quando saiu do anfiteatro, ligou-lhe:
- Onde estás? Tenho uma coisa para te contar!
- Estou a ir para o teu departamento, espera à porta da sala, que eu estou aí não tarda nada. O que se passou assim de tão bom? – Marisa ria-se, nunca iria contar por telefone que Anne iria estudar novamente perto deles.
- Conto-te quando chegares aqui! – Renato achava engraçado quando Marisa não lhe contava as coisas pessoalmente. Quando viviam em Viseu Marisa fazia isso milhares de vezes, nomeadamente com as surpresas, Renato nunca sabia o que Marisa havia preparado, daí quase sempre adorar as surpresas que esta lhe fazia. Eram felizes assim. Na verdade, as grandes paixões e os grandes casamentos são alimentados pelo romantismo. Eram as acções românticas e o amor que os unia que lhes permitia serem um exemplo para muita gente que convivia com eles todos os dias. Renato chegou entretanto, vinha em pulgas, queria saber aquilo que Marisa tanto lhe queria contar:
- Então o que se passou? – Marisa olhava-o com cara de quem ia pedir qualquer coisa em troca da informação que tinha para lhe dar:
- Só te digo, se me deres um beijo!
- Eu dou-te todos os que quiseres! – Marisa sorria. Agarrou-se a ele , abraçou-o com toda força que tinha. Renato encheu-a de beijos carinhosos. Era incrível a relação que aqueles dois mantinham, talvez nunca na minha vida tenha visto tanto amor:
- A Anne vem para cá!
- Estás a brincar? – Marisa disse-lhe que não estava:
- Ela já tem onde ficar? Ela podia viver connosco até ter onde ficar!
- Não é preciso, um colega meu de turma está na disposição de a receber em casa dele, aliás tenho vários colegas de turma a viver na mesma casa, e assim será muito mais fácil para ela.
- Como é que ela vem para cá?
- Mickael trá-la, não te preocupes! – Renato agarrou na mão de Marisa, e caminharam até à cantina da faculdade. Era a primeira vez que Marisa ali iria comer, sentia-se curiosa, a comida seria tão boa como em Viseu? Renato mantinha-se em silêncio:
- A comida é boa?
- Já vês! – passou-lhe a mão pelo cabelo. Quando chegam à porta da cantina, existia uma fila enorme, a fome já apertava. Quando iriam sair dali? Apesar de ter imensa vontade de comer uma francesinha, continuava em dieta por ordem de Ana, depois de algum tempo a olhar a ementa, Marisa escolhera vitela grelhada. Renato olhava-a com pena, num grupo de 5 pessoas que ali estavam, ela era a única que não comeria francesinha, olhou para trás, atrás de si estavam alguns colegas de turma, dentre eles, Mariana, uma rapariga de cabelos pretos e olhos verdes:
- Pergunta ao pessoal se não preferem comer vitela grelhada por favor! – Mariana olha para ele intrigada, não percebia aquela pergunta:
- Porquê que queres saber isso? – Renato passa para o lado dela, em tom baixo diz-lhe:
- A Marisa é a única pessoa que vai comer grelhado por causa do problema de saúde que teve, e sei que ela está desconsolada e triste, se todos comêssemos o mesmo, ela não se sentiria tão mal! – Mariana estava solidária com a situação de Marisa. Renato voltou-se para a frente, enquanto esperavam pacientemente para chegar ao balcão onde era servida a comida, Mariana falava com os colegas de turmas, quase todos concordaram, excepto David, nunca gostara de Marisa e não iria começar a gostar naquele momento. Marisa olha para trás, observa Mariana:
- Mariana? Estudas aqui? – Mariana estava voltada para trás, mal ouve o seu nome, vira-se surpreendida para a frente:
- Marisa? À tanto tempo… óbvio que estudo cá, engenharia civil, e tu, que fazes aqui? – ambas sorriam, Mariana havia sido da turma de Carina no secundário. Enquanto esperavam até ao almoço foram conversando animadamente para grande surpresa de Renato e dos restantes colegas de turma. Alguns deles não conheciam Marisa, aliás não sabiam sequer que Renato era casado, apesar de repararem algumas vezes que Renato tinha uma aliança no dedo, só David sabia do casamento, apesar de não concordar com ele:
- Eu? Vim transferida de Viseu, e estou em informática! É curioso encontrar-te aqui, não querias seguir biologia?
- Estudavas na mesma faculdade que o Renato? Queria, mas não tinhas notas, e como a minha segunda opção de candidatura era engenharia civil, calhei cá!
- Estudava, aliás chegamos a morar na mesma casa. É um bom companheiro de casa, pelo menos até agora tem sido! – Mariana escutava ao mesmo tempo a conversa dos seus colegas, Marisa olhava-a, pensando como era possível estar atenta a duas conversas em simultâneo:
- Então conheces a namorada dele, não? É bonita? Ele nunca fala dela connosco sabes? E sentimo-nos curiosos em conhece-la e ele nunca a trás cá… - o ataque de riso de Marisa, não deixa Mariana acabar a frase. Esta olha-a tentando perceber o porquê daquele ataque inexplicável de riso:
- Porque te ris? – Marisa olha-a nos olhos. Sentia-se completamente invisível, nem mesmo as alianças iguais no dedo faziam com que as pessoas reparassem que eram casados:
- Por nada. Ele nunca vos disse como ela se chamava? – Renato percebera que se falava dele, chegasse perto de Marisa, e ao seu ouvido pergunta:
- O que foi? – Marisa responde-lhe quase em surdina ao ouvido:
- Eles não sabem que és casado pois não?
- Não, não contei a ninguém, sabes que poderiam pensar que era invenção minha, e para além disso pedi ao David para manter segredo e ele fê-lo! – Marisa sentia ainda mais vontade de rir, nunca na sua vida tivera que ser confrontada com o mesmo assunto tantas vezes. Começava a tornar-se uma situação engraçada, pelo menos fazia-a esquecer-se de todos os pesadelos da sua vida. Mariana olha para ambos:
- Marisa, não tentes nada com ele, porque ao que parece ele não vai largar a namorada. Já deves saber disso, não já? – Marisa tentava controlar o riso:
- Sei-o perfeitamente. – Renato sem querer ouvia a conversa, não se quis intrometer, mas também ele se ria disfarçadamente, para que ninguém reparasse. Mariana responde a pergunta sobre o nome da namorada:
- Nunca! Por isso é que te pergunto. O David disse que eles se conheceram em Viseu, mas nem ele sabe o nome dela. – Marisa ria-se disfarçadamente, era óbvio que David sabia o nome dela, apenas mantinha o segredo que Renato tanto lhe pedira para guardar. Apesar de não gostar nada de Marisa, David sabia guardar segredos como ninguém, isso agradava a Marisa.

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Saturday, August 14, 2010 - 15:16

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lau_almeida

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Re: Dias de Azar XIV

O estrangeirismo, em Francês perfeito, na boca de uma nova personagem, dá um toque de frescura ao conto.

Gostei!

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